começo de algo

Jan 04, 2009 23:11


Tinha a mania de tomar banho sentada. Levava todas as coisas necessárias para o chão com ela: Xampu, condicionador, sabonete, esponja, gilete... um verdadeiro arsenal. Enchia os cachos com xampu especial, e cobria a cabeça com espuma suficiente para o corpo todo. Durante o enxágue, com os olhos apertados, esfregava as mãos no rosto. Deus abençoe os xampus que não ardem nos olhos. Na sequência, enchia os cabelos do condicionador com cheiro cítrico e esfregava de leve o nariz. Um ritual. Enquanto a química maligna e acondicionadora agia no couro cabeludo,  enchia as pernas de espuma obtida pela fricção quase insana do sabonete molhado nas mãos.

Nesse instante o celular começa a tocar. Em outra ocasião estaria  cantando algo dos beatles como "Blue Jay Way" ou algo ainda mais desconhecido enquanto raspava as pernas em movimentos uniformes e perfeccionistas, mas com o som estridente do celular tocando "Ring of Fire", ela teve que mudar o repertório. Paciente, continuou a raspar-se. Pegou o Chuveirinho e mandou pelo ralo, literalmente, toda a espuma e pelos, e continuou a ensaboar-se em várias outras partes. Cobriu os seios, ensaboou a barriga e o púbis e deu uma risada quando o jato morno do chuveirnho atinjiu-lhe. Riu-se duas vezes. Desligou o pequeno e o grande volou a soltar água com força. Tirou o resto do condicionador da cabeça. Ainda sentada, e ainda cantarolando Ring of Fire, visto que o celular recomeçara a cantoria pela terceira ou quarta vez, desligou o chuveiro e enrolando todos os cabelos numa mecha gigante, jogando-os para a frente da cabeça, passou-lhe as mãos, apertando os fios até as pontas, tirando o excesso de água. Ficou ali cantarolando a música, mesmo com o celular agora mudo. "Deve haver umas 70 ligações não atendidas no visor", pensou-se. Continuou paciente com o trabalho. Ergueu-se. Pegou uma toalha, branca, com a qual enxugou devagarzinho os pés, entre os dedos, depois as pernas, embaixo dos braços, as mãos,  os seios, o rosto. Enrolou-se. Esfregou o espelho embaçado com as mãos, fazendo um barulhinho irritante com as unhas, que provocou-lhe calafrios. Secou os cabelos com cuidado com a toalha laranja. Era uma toalha tão laranja que acreditava piamente que brilharia no meio de um apagão. uma mentira deslavada, claro.
Deixando a toalha de lado, cobriu a mão de creme, e escolhendo algumas mechas ao acaso foi separando cachinhos e passando-lhe o creme até as pontinhas. Fazia caretas no espelho durante o processo. Suspirou-se.
O resto deveria ser rápido, como de costume. Roupa já escolhida, maquiagem bem básica, café intantâneo bem forte, uma torrada com manteiga entre os dente e uma pasta imensa. Câmera. Cadernos de anotações. Um gravador.  O telefone estava tocando novamente quando lembrou-se dele sobre a mesinha da sala. Voltou. Atendeu.
___Que merda! Cadê tu sua retardada?
___Indo.
___O carro já tá aí em baixo.
___Que carro?
___O que vai te levar pra ver ele. Hoje.

(continua)

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