Oct 29, 2015 23:59
Ligou o spotify e deixou tocar a última musica que tinha ouvido. Era triste, de uma daquelas tristezinhas que ao mesmo tempo que atravessava o coração de um jeito seco e cruel, como se colocasse um piercing no meio do peito, se tornava uma depressão comedida e morna, acalentadora, pra se deitar no colo dela, e deixar ela acariciar os cabelos, dizendo que nada ficaria bem, mas que você poderia dormir com essa magoazinha no coração. Embaixo dágua, com as gotas escorrendo pelos cabelos, cobriu o rosto imaginando o quão choroso ficaria, mas não ficou. Percebeu que a música não lhe fazia mal e inclusive, cantou com ela. Cantou alto o refrão, esboçando um inglês inexistente cheio de berrinhos incompreensíveis.
Fechou a torneira. Passou a mão entre os cabelos pra tirar o excesso de água. Parou pra esperar líquido escorrer pelo corpo para então poder se secar.
Ela estava ali, bem na sua frente. Abaixo da mangueirinha-de-lavar-pé (como chamava desde criança), bem naquela hastezinha que abre e fecha o fuxo de água, na pontinha da bolinha da extremidade, uma esferinha de água surgia. Era pequena, e ia lentamente aumentando de tamanho. Deixou-se ficar ali, observando a pequenina se desenvolver, criar corpo. Imaginou ela caindo em alguns segundos, e então secaria o cabelo e se jogaria na cama, pra ouvir alguma coisa depressiva, ou assistir alguma coisa depressiva, ou pedir uma pizza e ficar deprimido e arrependido depois.
Mas a gotinha não caiu. Ela se formava muito lentamente, e agora que tinha adquirido mesmo a forma de uma esfera pra começar a se esticar. Já com frio, se enrolou na toalha, olhou pros lados como se alguém invisível pudesse julgar sua permanência ali, e sem qualquer objeção do vazio, que era muito rabugento e solitário, continuou observando sua amiga ocasional.
Já tinham passado uns poucos minutos.
A gota estava vistosa, gordinha. Mas nada de cair. Se secou, porque já estava tremendo, colocou a roupa pra deitar. Tentava olhar pra dentro do box a intervalos curtos, porque não queria perder aquela queda. por algum motivo sabia que sorriria vitorioso em ver a gotinha cumprindo seu destino, indo se encontrar com as outras no ralo redondo, junto com a multidão de gotinhas que se acumulava no esgoto lá embaixo, um país de gotinhas, a china das gotas dágua. Mas nada.
Ela se prolongava. Estava enorme e comprida. Estava ameaçadoramente grande, se enchia com tanta vagarosidade , como se não se importasse com o nervosismo alheio de um mundo de pessoas ao seu redor esperando outras gotinhas sádicas cairem logo pelo ar, brilhantes. Foi quando do chuveiro, várias gotas começaram a pingar. Eram rápidas, várias, chapinharam barulhentas no chão ainda molhado. Não tinham graça aquelas, sairam sem avisar, sem dar satisfação e foram embora. Passaram pela vida dele rápido, sem deixar qualquer impressão. Mas teve medo que elas acertassem a outra, e isso estragaria tudo.
Mas ela não foi atingida e preguiçosa continuava sua decida, se alongando mais um pouquinho. Estava ali a muito tempo. Já estava cansado de esperar.
Decidiu que não merecia essa ansiedade. Que não tinha nenhuma obrigação de esperar pela gota, mas que apesar de ter uma paciência inacabável, não gostava mais da expectativa. Da demora. Do fato de que nada realmente acontecia naquela relação que criaram, sem que aquela gota tivesse pedido pela atenção que ele lhe dava. Que toda aquela expectativa só vinha dele, sobre aquela formação de água sem sentimento para retribuir.
Então saiu do banheiro. Quis imaginar vários finais praquela gotinha. Teria caido no ralo e se juntado as outras. Teria parado de se desenvolver e ficado ali, paradinha. Teria regredido. Teria caido sozinha em uma área seca e ficado ali toda espalhada. ou numa gotícula, até ser pisada. Ou se secar. Daí viu que o que mais lhe torturava era esse "se". Essa possibilidade de que muitos finais ocorresem, aquele sofrimento de ficar pensando em várias possibilidades, de encher a cabeça com coisas que poderiam ou não ter acontecido.
Então decidiu que o fato de um pinguinho de água ter se desenvolvido na frente dele, e conquistado o seu olhar curioso era um momento no tempo que ficaria na sua memória como algo querido e fora do comum, e poderia sorrir ao se lembrar daqueles momentos que existiram e foram reais. E que todas aquelas possibilidades estariam perdidas agora numa realidade da qual não fazia parte e portanto não lhe pertencia.
Deitou na cama e colocou algo alegre pra tocar, enquanto escrevia algo bastante convincente em seu blog. Ou talvez tivesse ficado em silêncio, ouvindo as teclas barulhentas, e a música estivesse ali pertinho. Ou na sua cabeça. Talvez ela nem fosse feliz, talvez fosse a música do início. Tantas possibilidades, que você não vai saber se foram reais, afinal, isso é uma história que pode ou não ter acontecido.
Dormiu com gosto de pizza de marguerita na boca, arrependidíssimo por sua falta de auto-controle e não sonhou, apenas teve um sono longo e despreocupado. Um sono simples e leve, do jeito que eu queria que essa história acabasse.
tristeza,
texts,
sadness,
gota