Mar 29, 2012 12:57
O acordar veio com um lento abrir de olhos. Antes sequer de tentar reconhecer onde estava, apercebeu-se da forte dor de cabeça, dor que aguardara que ele recuperasse a consciência para se fazer notar.
Foi a tentar levar as mãos às têmporas, para tentar empurrar a dor mais para dentro, onde se calasse, que se apercebeu de que os seus movimentos estavam restritos. Os pulsos amarrados aos braços de uma cadeira tornaram-no subitamente alerta, talvez até em pânico, e aí sim começou a tomar nota do que o rodeava.
Aquela cadeira que o prendia podia ser uma simples cadeira, se não o tratasse de forma tão hostil. Aquelas paredes pareciam recém-pintadas. Aquela cama era-lhe... familiar.
Foi a meio deste lento construir, peça a peça, que o audível click da fechadura da porta a trouxe para dentro do quarto.
"Que simpático da tua parte juntares-te a mim. Já achava que não poderia contar com isso hoje."
Sorriu-lhe, porque sorrisos escondiam tanto.
"Bem-vindo ao terceiro dia", disse, e, pegando num bastão, remeteu-o de volta para o mundo de sonhos de onde há pouco tinha regressado.
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Recuperou os sentidos no que tanto poderia ter sido horas como dias mais tarde.
Já não estava preso à cadeira. Na verdade, já não estava na cadeira, mas sim deitado sobre a cama. Ao seu lado, na mesinha de cabeceira, um tabuleiro com bolachas. Sumo de laranja. Comprimidos. Uma orquídea numa jarra esguia.
Fraco, viu-se tomado por um sentimento de paranóia a que alguns poderiam chamar de instinto de sobrevivência. Não conseguia identificar o que é que naquele tabuleiro era o veneno, e o que era o antídoto, pelo que não arriscou nada senão ajeitar-se na cama, tentando sentar-se de modo a tentar estudar os arredores uma segunda vez.
Soltou um grunhido de dor, tão inesperado quanto impossível de conter. Um pouco como quando se ama alguém.
Este seu sinal de vida, canto de sereia, trouxe-a de volta. Foi apenas com os barulhos dos saltos aguçados ferindo o soalho que conseguiu perceber onde estava e, mais importante ainda, porquê.
"Gosto do que fizeste com este sítio", disse, recebendo-a no quarto. Ela poderia ter-lhe tirado tudo, mas não a iniciativa. Pelo menos, não sem lhe prender os pulsos.
"Agradável, não é? Consegui recuperar algumas coisas antigas. Uma casa para dois. Oh", acrescentou, desapontada, "não comeste nada ainda."
Tentou chegar-lhe o copo de sumo aos lábios, que ele prontamente rejeitou. O que lhe faltava em força física tinha ainda em força de vontade. De viver mais um dia, pelo menos.
"Vá lá", insistiu ela, "é seguro. Eu não te quero fazer mal. Não assim."
Bebeu um pouco, o suficiente para lhe provar que era inofensivo, mas ele estava demasiado familiarizado com a história da Branca de Neve para acreditar. Ela que mordesse essa maçã, tanto quanto quisesse, que ele nunca o faria. Continuou sem demonstrar qualquer interesse por aquela refeição, fosse a sua última ou não.
Com olhos suplicantes, perguntou-lhe porquê, e ela virou-lhe as costas, o que se traduziria por "Como se não soubesses já".
Foi assim que ele soube que já era tarde demais para qualquer pedido de desculpa. Bom, isso era um indício. As nódoas de sangue coagulado seriam outro.
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