Direito Delas, Dever Nosso*

Mar 06, 2008 22:22



Ana Maria Machado não é apenas uma escritora. Ana Maria Machado é uma das autoras de livros infantis mais lidas no país. Ana faz parte da Academia Brasileira de Letras e teve a honra de receber o prêmio Hans Christian Andersen, considerado pelos críticos o prêmio Nobel da Literatura em 2001, entre tantas outras premiações de sua aclamada carreira. Além disso, ela também foi jornalista e professora. E uma professora em Sorbonne, na França. Como isso não bastasse, ela foi aluna de Roland Barthes, que orientou seu doutorado em Lingüística e Semiologia (mais tarde publicou sua tese sob o nome do livro "Recado do Nome", que trata da obra de Guimarães Rosa)

Ana Maria Machado não é apenas uma escritora, é uma pessoa divertida, cheia de histórias para contar que encantam não apenas as crianças, mas os adultos - muitos dos 100 livros que escreveu são para os pais que compram os livros infantis para os seus baixinhos.

No dia 05 de Setembro a Faculdade CCAA recebeu tantos convidados para ouvir a autora que precisou distribuí-los não só em seu auditório, mas nas salas de aula, onde as imagens foram transmitidas pelo canal interno. Ana Maria Machado falou sobre literatura infantil, educação, leitura inclusiva e contou historias. Abriu sua palestra com um texto escrito especialmente para os seus ouvintes da noite, sobre hábitos de leitura, como eles são transmitidos e como podem formar novos leitores e enraizar o prazer de ler nos que já o tem. Ana usou a alimentação nutritiva para manter um corpo saudável como metáfora para uma “leitura nutritiva”. Uma pessoa pode, segundo ela, mascar um chiclete ocasionalmente, porque este é docinho e agradável, mas não se pode viver só de chicletes, pois precisa dos nutrientes que alimentos saudáveis proporcionam. Da mesma forma que uma “leitura nutritiva” não se faz apenas com livros, mas com bons livros e livros não tão bons assim, mas que constituem uma dieta equilibrada.

Mas como o leitor escolhe o bom e ruim? De acordo com Ana Maria Machado todos merecem ter contato com bons livros e é um direito inerente a cada pessoa. Uma vez oferecido esse direito, cabe a cada um escolher o que ler e se quer ler; afinal de contas, ler avidamente não é um hobby de todas as pessoas; algumas se satisfazem com leituras esporádicas, outros sequer sentem a necessidade de ler e vivem bem com isso.

Após uma espécie de revisão da função da Literatura, Ana Maria Machado passou às perguntas do público. Sempre amável e simpática, ela falou sobre questões levantadas como o estimulo à leitura em escolas, tanto públicas como particulares. Para ela, não existe uma diferença entre as escolas, mas entre os professores. Da mesma forma que existem professores que lêem para os alunos e outros que não o fazem. E eles estão em ambas as escolas púbicas quantos as particulares. É uma pena, pois, segundo a própria Ana, um professor que não lê é uma fraude.

Ana Maria Machado falou também sobre as publicações infantis que muitas vezes se preocupam apenas em passar uma mensagem moral, quando podiam dedicar-se mais à linguagem e ao projeto gráfico do livro; o mesmo se aplica às adaptações de contos maravilhosos e livros de sucesso. Isto, aliada à contação de histórias pelos professores, segundo ela, ajuda a criar novos leitores, que desenvolverão um senso crítico a partir daí; ter senso crítico e saber interpretar tanto o que vê e o que ouve é se suma importância, uma vez que não permite que o cidadão-leitor seja enganada facilmente, já que ele aprende a questionar.
O público quis saber também sobre a falta de acesso aos livros, mal que sofre a maioria dos pequenos leitores do Brasil afora. Autora acha que a questão maior não é a falta de livros mas o excesso deles. Uma vez em que se existe uma verba destinada à compra de livros pelo professor e diretor de escolas públicas (a Prefeitura no Município do Rio de Janeiro dá aos professores um bônus cultura de 80 reais por mês, a serem gastos com livros e similares, como forma do profissional manter-se atualizado). Então, a dúvida maior para este professor é: como escolher o que lerão seus alunos? E, ainda, como convencê-los a ler? Usando a série literária Harry Potter como exemplo, Ana ressaltou que os jovens hoje em dia lêem sim, eles apenas não lêem o que os professores querem que eles leiam.

Num tom mais pessoal, Ana Maria Machado falou um pouco de sua rotina como escritora, derivando de uma conseqüência natural de sua avidez como leitora. Para ela, a prática de escrever é um exercício diário, assim como um atleta treina todos os dias ou um músico toca seu instrumento todos os dias; Ana dia que escreve todos os dias, o que não significa necessariamente que todos dias ela irá produzir textos publicáveis, mas a prática de escrever e organizar seus pensamentos a tornam eloqüente quando se faz necessário.

Além de matar um pouco da curiosidade sobre o que acontece dentro das paredes da Academia Brasileira de Letras - que é aberta à visitação do público - Ana Maria Machado falou um pouco sobre as conferências gratuitas que acontecem as terças e incentivo à pesquisas de pós-graduação sobre os imortais da ABL. Ela ressaltou a importância de um lugar como aquele, onde não apenas grandes escritores, mas expoentes da cultura nacional se reúnem, uma vez que a Academia conta com a presença não apenas de escritores, mas de cineastas e músicos.

Ana Maria Machado ainda recebeu o público após a palestra para tirar fotos e conversar, sempre atenciosa e cativante. Ela nos deu a honra de receber o nosso jornal e, como todos os grandes mestres, humildemente agradeceu nossos elogios. A dona do Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra sorriu e nos incentivou, enfatizando a linda mensagem que nos deixou aquela noite.

*Texto originalmente publicado em Jornal Com Letras Ano 1 2ª edição, 2007

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