da quietude

Feb 22, 2012 21:57





A reportagem de Catarina Cruz na última página do JN de hoje apresenta-nos António Santos, o "campeão da quietude". Trata-se do homem estátua mais antigo do país, mais de 300 personagens espalhadas pelas ruas e praças de mais de 50 países, há 25 anos. Vale a pena demorar os olhos na imagem deste homem suspenso no ar, em plena rua Augusta, tão imóvel que os pássaros poderiam pousar no seu ombro. Suspenso no ar, como se a imobilidade o tornasse tão leve que pudesse pairar acima do chão, apoiado apenas na bengala com que compõe uma das suas figuras bizarras.
A repórter do JN conta que ele somou, ao longo destes anos, mais de 20 mil horas de quietude. Bela palavra que não nos chama para a imobilidade pétrea, mas para o progresso lento. Confúncio aconselhava a que não temessemos esse exercício intenso e minimal e talvez o mais antigo homem estátua português o tenha adoptado como lema quando arrebatou um dos seus quatro recordes, o de menor velocidade em marcha, ao percorrer 150 metros em 8 horas. Kundera pode tê-lo admirado à distância numa dessas cidades onde se transformou em estátua, em "campeão da quietude", antes de formular aquela ideia forte do livro "A lentidão" segundo a qual o grau de lentidão "é directamente proporcional à intensidade da memória" enquanto o grau da velocidade "é directamente proporcional à intensidade do esquecimento".
Este homem acaba de chegar de Sevilha e está de partida para a Austria (de onde seguirá para o Dubai). Em todo o lado o tratam como artista, por cá um pouco menos, a lentidão não é muito atractiva para os que se movem com uma pressa sem sentido e sem destino. Quando começou, tentando livrar-se de uma neurodermite, a pele ferida por uma depressão, o stress e outras pressas à flor da pele, era raro o dia em que o não levavam para a esquadra que fica por detrás do D. Maria II. Passadas 20 mil horas de quietude, ele puxa histórias dessa observação imóvel: "Às vezes, um polícia passava e dava-me uma moeda, vinha outro e prendia-me".
Não perderás nada se te demorares esta manhã diante da última página do JN. Sem pressas. Deixa que o teu olhar seja mais próximo do do polícia que passa e deita uma moeda para o boné do homem estátua. Sem pressas. Como avisa um poema de Paulo Leminski, "sentir é muito lento".

Sinais de Fernando Alves, 08'Fevereiro'12

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