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Aug 30, 2006 03:23

COMUNISMO É A COMUNIDADE HUMANA MATERIAL: AMADEO BORDIGA HOJE (Comentários/críticas para lgoldner@alum.mit.edu)

Durante muitas décadas, Marxistas revolucionários entenderam que as realidades sociais da União Soviética, China e outras supostas sociedades "socialistas" como sendo a negação do projeto de Marx de emancipação da classe trabalhadora e humana. Muitos teóricos, começando com Rosa Luxemburgo em seu "A Revolução Russa" de 1918, e seguida de Mattick, Korsch, Bordiga, Trotsky, Schachtman ou CLR James (para nomeas apenas alguns), dedicaram boa parte de seus trabalhos para a resolução da famosa "questão russa": o significado específico, para marxistas, da derrota da revolução Russa e o sucesso internacional do Stalinismo. A variedade de visões que surgiram neste debate parece confirmar, acima de toda a caracterização de Winston Churchil, muito longe do marxismo e da esquerda, para o qual o Sistema soviético era um “enigma embrulhado em um mistério”. Os herdeiros contemporâneos das teorias do "Estado Operário degenerado", "Socialismo de Estado", "Coletivismo Burocrático", "Capitalismo de Estado" ou "Sociedade de transição" têm suas análises e explicações - muitas delas auto-consoladoras - da devolução pós-1989 do bloco do Leste. Com o otimismo característico da tradição marxista, a maior parte destas correntes tenderam a assumir (assim como o fez o autor deste texto) que o maior adversário da moribunda burocracia stalinista seria a classe trabalhadora revolucionária lutando, enfim, por um verdadeiro socialismo. Poucos previram - mais particularmente, mas apenas, os trotskystas, para os quais o bloco Leste apoiava-se em bases socialmente superiores ao Ocidente - que os principais adversários para a sucessão pós-stalinista não seria o marxismo revolucionário mas um neo-liberalismo pró-ocidente cego inspirando em von Hayek e Milton Frieman, e o ressurgimento das correntes autoritárias de direita da época do entre-guerras (com ex-stalinistas proeminentes em ambas as correntes). Ainda menos pessoas previram que a morte das estruturas sociais do stalinismo abririam o caminho para uma crise do próprio Marxismo. Como a crise do bloco Leste resultou não em soviets e conselhos operários mas em um populismo "sangue e terra", nacionalismo assassino, regionalismo, fundamentalismo religioso e anti-Semitismo (correntes autoritárias que estão muito distantes de qualquer oposição de esquerda canalizando um anti-FMI, sentimentos anti-mercado), torna-se mais claro do que nunca que a maioria dos quadros conceituais disponíveis para revolucionários Marxistas, do Leste ou do Ocidente, para a compreensão da história mundial deste 1917 necessitam de uma revisão profunda.
O artigo que se segue pretende ser uma contribuição modesta para este re-exame. Ele apresenta as visões pouco conhecidas do marxista italiano Amadeo Bordiga (melhor lembrado, quando tanto, como um dos "ultra-esquerdistas" denunciados por Lenin em “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”, acerca da natureza da União Soviética e considera mais amplamente a tese de que a questão agrária, fundamental para Bordiga em sua caracterização do capitalismo, é na verdade a pouco discutida chave para a história tanto da Social Democracia quanto do Stalinismo, as duas deformações do marxismo que predominaram no século 20. É levada adiante a tese de que a Social Democracia Européia (especialmente a Alemã), mesmo quando falando em uma linguagem ostensivamente marxista, era uma distorção estatal do projeto marxista, e mais uma escola para um estado avançado do capitalismo, o emergente Estado de bem estar keynesiano. Coloca também que o que está desaparecendo hoje é a longa deformação estatal da emancipação proletária, que era na verdade muito mais um substituto da revolução burguesa para a industrialização de sociedades retardatárias do que efetivamente socialismo ou comunismo. Sustenta, enfim, que qualquer manutenção da tradicional visão "rosada" da Social democracia Alemã histórica anterior ao triunfo do "revisionismo" leva a um impasse completo e à ausência de uma visão para o período contemporâneo. A História, sempre adiante da teoria, está passando por cima dos destroços dos legados estatistas da Social Democracia e do Stalinismo. Atualmente a questão de como o projeto marxiano tornou-se intrincado, de 1860 em diante, com um projeto estatista de "despotismo esclarecido" e sua versão do aufklaerung é urgente. Mais urgente ainda, obviamente, é a questão de como este projeto por ser separado.
Tentativas de se concentrar na centralidade da questão agrária na experiência soviétiva são, em si mesmas, dificilmente novidades. Figuras como Barrington Moore, na academia, desenvolveram tais enfoques há tempos (1). Mas o clima da década de 60, quando apareceu o livro de Moore, ainda era o do desenvolvimento industrial como a essência do capitalismo e, pelo fato de Moore parecer repetir uma versão mais fraca das teorias de Trotsky acerca da revolução permanente e desenvolvimento combinado e desigual, seu trabalho não teve um maior impacto na discussão marxista. Adam Ulam, ainda mais distante do Marxismo, escreveu, durante a Guerra Fria, sobre como o conteúdo real do movimento marxista era a questão agrária (2); seu objetivo era desqualificar o "Marxismo" (que ele tratava como sinônimo da ideologia Soviética) mostrando como este era um produto do subdesenvolvimento e não do capitalismo. Gewrschenkron, historicamente muito mais interessante que Ulam, também parecia ser uma sombra de Trotsky (3).
Sem sombra de dúvidas o livro mais importante do século 20 à influenciar as visões marxistas na questão agrária, dentro dos círculos anti-stalinistas, é o "New Economics" de Preobrazhensky que, independente de seus defeitos, é essencial para a compreensão do destino da oposição de esquerda internacional (4). O conceito de Preobrazhenskys de "acumulação socialista" sobre o campesinato é inspirado no "Acumulação do Capital" de Rosa Luxemburgo; Preobrazhenskys aponta que o "Estado proletário" pode conscientemente e humanamente perceber que, historicamente, o Estado capitalista realizou, cega e sanguináriamente, a transformação de pequenos produtores agrários em trabalhadores nas fábricas. (Foi deixado à Stalin a missão de realizar a transformação consciente e sanguinária).

Nas margens deste debate, com o qual a maior parte da esquerda ocidental está preocupada, estão as idéias acerca da fascinante personalidade de Amadeo Bordiga. Primeiro Secretário do PCI (Partido Comunista Italiano) e, com Gramsci, seu mais importante fundador, Bordiga foi o último revolucionário ocidental a dizer na cara de Stálin (em 1926) que ele era o coveiro da revolução e viveu para contar a história. Ele foi expulso do PCI no mesmo ano e levou consigo alguns milhares de "bordiguistas". Em 1928 a "esquerda comunista italiana" (como chamavam a si mesmos) votaram em Trotsky como "cabeça da oposição internacional de esquerda", resultando em uma longa troca entre Bordiga e Trotsky, que acabou fracassando completamente em torno de 1931-1932. Mas Bordiga é um dos mais originais, brilhantes e completamente negligenciados marxistas deste século. (seu legado nunca poderia ser digerido pelo PCI pós-guerra como foi o de Gramsci). Ele permaneceu na Itália durante a guerra (assim que expulso e caluniado pelo Comintern como era comum, ele foi deixado sozinho por Mussolini e fez uma carreira como engenheiro). Mas, de certa forma, foi apenas após a 2ª Guerra Mundial que o trabalho de Bordiga, onde há uma preocupação com o presente, se tornou realmente interessante. Ele viveu na obscuridade até 1970, e chegou a escrever alguns artigos sobre os levantes de 1968. Sua visão era a de que, após a guerra, sua missão era salvar as “lições teóricas” do levante revolucionário mundial do período entre 1917 e 1921. Ele sentiu, como a maior parte de todos os revolucionários anti-stalinistas em 1945, que isto significava um acerto de contas com o "enigma Russo" e escreveu três livros (nunca traduzidos para o inglês mas existentes em francês) acerca da Revolução Russa e da economia Soviética (5). Ele também escreveu uma história da esquerda comunista italiana em três volumes (um termo designando sua própria facção; a história infelizmente termina em 1921) e muitos outros panfletos curtos e declarações. (6). Muito de seu trabalho é rebuscado e ilegível, mas ainda assim vale a pena enfrentar os problemas. Ele provavelmente desenvolveu esta perspectiva no período pré-1914; alguns de seus primeiros artigos são sobre as posições de socialistas franceses e italianos acerca da questão agrária. Não é tão fácil seguir a trajetória de Bordiga; ele acreditava no 'anonimato revolucionário', desprezava o culto à personalidade, e frequentemente não assinava seus trabalhos, incluindo seus livros.
Uma análise bordigista da Revolução Russa foi publicada com o título de "On the Margins of the 50th Anniversary of October 1917" em 1967. (8) É um trabalho que está fora dos esquemas explicativos convencionais das polêmicas Stalin-Trotsky-(capitalismo de Estado) que ocorrem nos E.U.A., Inglaterra, França e Alemanha. (Bordiga, por exemplo, nunca usa o termo "Capitalismo de Estado", e raramente usa o termo "União Soviética" assumindo que os Soviets foram destruídos lá há muito tempo). Para ele, era apenas um capitalismo Russo, indiferente de qualquer outro. Bordiga tinha um desejo instigante de "des-russificar" as preocupações do movimento revolucionário internacional. Ele dizia que os movimentos de trabalhadores foram atacados por contra-revoluções em períodos anteriores da história (i.e. depois de 1948 com Luís Napoleão) e que não havia nada de novo no caso Russo. Por outro lado, sua preocupação por 25 anos com a economia Russa desmente este seu "desprezo". (Interessante o fato de que, em 1945, ele previu um longo período de expansão capitalista e reformismo do movimento operário graças à crise mundial seguinte, começando em 1975). A análise de Bordiga sobre a Russia (como desenvolvida após 1945) é a que se segue. Enquanto sua facção deu total apoio à Trostsky em sua luta de facções da década de 20, em grande medida pelas medidas adotadas internacionalmente pelo Soviet/Comintern, a análise bordigista tomoou distância da estratégia da oposição de esquerda de uma super-industrialização, no fim das contas, por razões "Bukharinistas". Ele sentia que, após 1945, apenas algo como a estratégia de Bukharin mantinha a esperança de preservação do caráter revolucionário internacional do regime (que para Bordiga era mais importante que uma industrialização Russa) por não destruiria o partido bolchevique. Bukharin argumentou durante os conflitos de facções entre 1924-1928 que a implementação da estratégia esquerdista de Trotsky de uma "super-industrialização" só poderia ser levada adiante pela maior burocracia estatal jamais vista na história. (10). Quando Stalin roubou este programa da esquerda e o colocou na prática, ele confirmou completamente Bulharin, como Trotsky reconheceria posteriormente de forma ambígua após a maior parte de sua facção na Rússia capitular diante de Stalin. (11). Talvez Bordiga tenha levado a idéia do caráter internacional da revolução e do regime soviético mais a sério até do que Trotsky; para ele a idéia de "socialismo em um só país" era uma aberração grotesca de tudo que o marxismo havia defendido, o que sem dúvida foi. Em seu confronto final com Stalin em Moscou em 1926, Bordiga propôs que todos os partidos comunistas do mundo deveriam regulamentar a União Soviética como uma demonstração do caráter supra-nacional do movimento dos trabalhadores. (12). Esta proposta foi, não é preciso dizer, recebida friamente por Stalin e seus companheiros.
Mas isto é apenas o começo. Os escritos de Bordiga sobre a natureza capitalista da economia Soviética, em contraste com a produção de Trotskystas, apresentam uma grande preocupação com o setor agrário. Ele queria mostrar como relações sociais capitalistas existiam no kolkhos e no sovhos, sendo um uma fazenda cooperativa e o outro uma fazenda estatal com trabalho assalariado (13). Ele apontou para o quanto a produção agrária dependia de pequenas propriedades agrárias (ele estava escrevendo em 1950) e previu com muitos acertos as taxas com as quais a União Soviética teria que iniciar a importação de trigo depois da Rússia ter sido um grande exportador de 1880 até 1914.
As razões que levavam Bordiga a diminuir a importância do setor industrial e enfatizar a agricultura, como já mencionei, vêm de preocupações teóricas e estratégicas que antecedem a revolução Russa. Novamente, para Bordiga, capitalismo era antes de tudo uma revolução agrária, a capitalização da agricultura. Bordiga tinha uma apreciação diferenciada de Bukharin em relação aos oponentes habituais do Stalinismo por conta dessas preocupações. Ele introduziu uma distinção inédita entre Lenin e Trotsky. A maior parte dos que distinguiam Lenin e Trotsky eram Stalinistas e Maoístas. Mas Bordiga vira totalmente a mesa dos Stalinistas. Bordiga, usando a formulação do próprio Lenin, chamou a Revolução Russia de uma "revolução dual" (14) na qual a conquista do poder pelo proletariado possibilitou o término das metas de uma revolução burguesa, acima de tudo a destruição de todas as relações sociais pré-capitalistas na agricultura. O grande protótipo desta revolução foi, sem sombra de dúvidas, o de Agosto de 1789 na França. Trotskystas sempre argumentaram que em abril de 1917 "Lenin tornou-se Totskysta" aceitando as teses da revolução permanente. Mas Lenin na verdade discordou de Trotsky em importantes detalhes, e isto ficou evidente nas suas formulações de 1920-1922 acerca da natureza do novo regime, acima de tudo seus memoráveis discursos no congresso do partido de 1921 nas polêmicas contra a "Primeira Oposição Operária" e a acusação destes de que o Estado soviético havia se tornado "Capitalismo de Estado". A réplica de Lenin foi a de que um Estado capitalista seria um tremendo passo adiante do que a Rússia era efetivamente: um pequeno produtor capitalista controlado por um partido político dos trabalhadores. (15). Para Bordiga, uma vez que a expressão política da classe trabalhadora foi destruída pelo Stalinismo, tudo que restou foi o pequeno produtor capitalista. A utilização por Lenin do termo "Estado operário com deformações burocráticas" em princípios da década de 20 era bastante diferente do uso que Trotsky fez da mesma expressão em 1936. Não é possível ou necessário retomarmos aqui quem disse o quê em relação a esta questão. O que se esconde por trás destes diferentes julgamentos de estratégias e táticas são duas concepções opostas de Marxismo. O importante é que para Trotsky e os trotskystas, o caráter permanente da revolução estava congelado nas "formas de propriedade" e expresso posteriormente no crescimento das forças produtivas. Para Bordiga, o crescimento das forças produtivas era simplesmente uma prova do caráter burguês do fenômeno soviético. Ele desconcertou stalinistas argumentando que o problema de Trotsky não era sua subestimação do campesinato, mas sua superestimação da possibilidade de que camponeses, e a revolução agrária de pequenos produtores, pudesse ter qualquer relação com uma revolução proletária.

A concepção de Bordiga era a de que Stalin e, posteriormente, Mao, Ho etc. eram "grandes revolucionário românticos" no sentido do século XIX, isto é, revolucionários burgueses. Ele sentia que os regimes stalinistas que emergiram após 1945 estavam apenas estendendo a revolução burguesa, i.e. a expropriação da classe junker (N. do T. grandes proprietários rurais) prusssiana pelo Exército Vermelho, através de suas medidas agrárias e através do desenvolvimento das forças produtivas. Em relação às teses do grupo francês de ultra-esquerda "Socialismo ou Barbárie" que denunciou o regime, depois de 1945, como capitalista de Estado, Bordiga respondeu com um artigo "Avanti Barbati!" (Avante Bárbaros!) que enfatizou o lado revolucionário burguês do Stalinismo como seu real conteúdo. (18). (Não é necessário concordar com Bordiga para perceber que este era um ponto de vista muito mais coerente do que a estupidez da análise trotskysta depois de 1945 que enxergava os stalinistas no Leste Europeu, China ou Indochina como "reformistas" que não viam o momento de se vender para o imperialismo).
O avanço do quadro de Bordiga sobre o de Trotsky é sobretudo a sua crítica desta perspectiva, introduzida no trotskysmo e dos que se inspiram no mesmo, de que Stalin e o stalinismo representam um "centro" entre a direita Bukharinista e a esquerda trotskysta. É difícil imaginar como a vitória da "direita" Bukharinista" no debate sobre a industrialização poderia ter feito mais estragos para o movimento internacional dos trabalhadores do que o triunfo do "centro" stalinista realmente fez. Ainda assim qualquer um que deseja traçar uma linha acrítica de continuidade marxista através de Trotsky após 1924 aceita tacitamente este espectro "esquerda à direita" e suas consequências.
Trotsky escreveu em 1936 "o Socialismo demonstrou seu direito à vitória, não nas páginas de Das Kapital... mas na linguagem do ferro, concreto e eletricidade". (19). Extendendo a teoria de uma revolução permanente da formação dos soviets (1905, 1917) às formas de propriedade estal para o desenvolvimento das próprias forças produtivas (i.e. a prova de um caráter socialista degenerado do regime como sendo a sua habilidade de desenvolver a indústria em uma "época de decadência imperialista"), Trotsky finalizou aquilo que eu chamo de um caráter de "revolução burguesa substitutiva" da Segunda e da Terceira Internacional Marxista.
Trotskysta do pós-guerra (dos quais Trotsky obviamente não é responsável) enxergaram a industrialização dos regimes stalinistas em um momento no qual o Terceiro Mundo não demonstrava qualquer sinal de desenvolvimento como a prova definitiva de um caráter socialista degenerado. Contra esta visão Bordiga disse "não há comunismo". A tarefa de um "desenvolvimento das forças produtivas" não é dos comunistas. Ele adicionou que "é exatamente correto que as 'bases do socialismo' estão sendo construídas na União Soviética"; para ele, esta era exatamente a prova do caráter burguês do regime.
Um exemplo importante de corrente que quebrou com a visão pró-stalinista do Trotskysmo sem examinar o legado das lutas de facções da década de vinte foi a tradição SCHACHMANITE e sua análise da "burocracia coletivista". A versão destes da década de 40 ao menos aponta para um dinamismo expansionista do Stalinismo (20), o rival do socialismo a suceder o capitalismo por um período, o que a história recentemente demonstrou ser falso. Na crítica da Schachtmanite, além disso, a ênfase é especialmente na questão da “democracia”, que para eles é essencialmente o principal. O socialismo é efetivamente concebido como um “coletivismo democrático”, portanto, sua ausência, e a ausência do aparecimento das formas capitalistas, deve ser um “coletivismo burocrático”., Em outras palavras, o desacordo desta corrente com o Stalinismo e, posteriormente, com o Trotskismo girava em torno do fato de que o que aconteceuna Rússia após 1917 ou 1921 era anti-democrático. Sem sombra de dúvidas que isto era extremamente importante, mas o seu caminho é o de aceitar tacitamente toda a “linha de continuidade” através de Trotsky e do Lenin “trotskysta”, e ignorar as observações de Bukharin e suas previsões acerca do Estado. Em outras palavras, toda a perspectiva (a tradição Schachtmanite é desconhece profundamente a crítica Marxiana da economia política) girou em torno da contraposição burocracia/democracia e consequentemente, como Trotsky, importou toda uma noção de “tarefas” da revolução burguesa que lentamente incorporou-se ao marxismo da Segunda e da Terceira Internacionais. Exceto por Bordiga, ninguém na esquerda anti-stalinista revolucionária mencionou o caminho de “desenvolvimento das forças produtivas” em si mesmo como uma prova de que a União Soviética nem sem aproximava de um Estado dos trabalhadores; para os Trotskystas, sem dúvida, é a prova definitiva, sob o modelo das nacionalizações e planejamento, de que é um Estado operário.

Mas Bordiga foi além. Como era engenheiro, Bordiga desenvolveu uma certa ridigez teórica que era ao mesmo tempo desesperadora e eficaz ao permitir que ele visse as coisas diferentemente. Ele basicamente acreditava que o “programa comunista” foi elaborado definitivamente por Marx e Engels em 1847 no Manifesto e confirmado no ano seguinte pelo surgimento de uma corrente comunista na França e outros movimentos de trabalhadores. Ele pensava Marx e Engels desenvolveram uma metodologia “invariável” e que os “inovadores” eram, cedo ou tarde, burgueses filisteus espertos no caminho para o Bersteinianismo ou algo assim. Mas esta posição esquisita acerca de princípios definidos em 1848 levou-o a conclusões impressionantes acerta de toda uma dimensão do Marxismo que, mais uma vez, foi, em boa medida, perdida. Bordiga acreditava que tudo de importante sobre a questão Russa já havia sido dita na época da morte de Marx em 1883 (21). Para tanto: a correspondência de Marx com os Populistas na década de 1870, os dois metros cúbicos de notas acerca da agricultura Russa que ele deixou na época de sua morte (ele não terminou O Capital em função de um fascínio com a agricultura Russa que o dominou em seus últimos anos de vida), e os vários prefácios ao Manifesto e outros escritos do período entre 1878 e 1883 que refletiam seu envolvimento com a Rússia. (ele chegou até a esconder tudo isto de Engels, que ficou furioso que este trabalho sobre a questão Russa foi a real razão para que o Capital terminasse inacabado). (22) O importante para Bordiga eram as descobertas de Marx da comuna Russa e a crença que Marx manteve entre 1878 e 1871 de que tendo como base a comuna, a Russia poderia literalmente pular a fase capitalista da história, poderia fazê-lo mesmo com a ausência de uma revolução no Ocidente e que os camponeses, antes da capitalização da agricultura, podem ser centrais para este processo. Marx escreveu (em sua famosa carta a Vera Zasulich) que “se a Russia seguir o caminho que tomou após 1861, ela irá perder a maior chance de passar por cima de todas as alternativas fatais que o regime capitalista tem oferecido às pessoas. Como todos os outros países, ela se submeterá às leis inexoráveis daquele sistema”. (23). Perto de sua morte, Marx concluiu que a Russia perdeu sua chance e falou isto para os Populistas russos. Para Bordiga, a citação anterior era o legado Marxista na “Questão Russa”, e “todo o processo sangrento de acumulação capitalista”, uma profecia levada na prática por Stalin. Todo este aspecto da relação de Marx com a Russia foi largada em arquivos empoeirados e notas de rodapé por 80 ou 90 anos ainda que tenha sido revivida nos últimos anos por figuras como Jacques Camatte e Teodor Shanin. (24).

É quase impossível retratar honestamente o Bordiga sem mencionar sua atitude diante da democracia. Ele se auto-definia orgulhosamente como “anti-democrático” e acreditava estar junto de Marx e Engels nesta posição. (sua relação com a questão agrária se tornará mais clara adiante). A hostilidade de Bordiga em direção à democracia não tinha nada a ver com o ganguismo stalinista. Na verdade, ele enxergava o fascismo e o Stalinismo como o ápice da democracia burguesa! (25). A democracia para Bordiga significava acima de tudo a manipulação da sociedade como uma massa disforme. Contra isto ele contrapunha a “ditadura do proletariado”,implementada pelo partido comunista fundado em 1847, baseada nos princípios e no programa enunciado no manifesto. Ele se referia com frequência à citação de Engels de que “às vésperas da revolução todas as forças da reação estarão sob a bandeira da “pura democracia”. (Como, na verdade, todo oponente faccional dos Bolcheviques em 1921, de monarquistas a anarquistas, clamavam pelos “soviets sem Bolcheviques”.)
Bordiga rejeitou completamente a idéia do conteúdo revolucionário como sendo o produto de um processo democrático de visões pluralistas; sejam quais forem seus problemas, tendo em mente a história dos últimos 70 anos, esta perspectiva tem o mérito de ratificar o fato de que comunismo (como todas as formações sociais) é acima de tudo um conteúdo programático expresso através de formas. Atesta o fato de que, para Marx, o comunismo não é um ideal a ser atingido mas um “movimento real” nascido da velha sociedade com um conjunto de tarefas programáticas. (26). No clima da Nova Esquerda na década de 1960, no qual “questões econômicas” eram virtualmente assumidas como tendo sido tornadas óbvias pela “sociedade da afluência”, o debate girou quase que exclusivamente na contraposição burocracia/democracia e nas “formas de organização” (27), levando a um formalismo metodológico que era de pouca utilidade quando, após 1973, a crise econômica mundial mudou todas as regras da luta. Em outro contexto, Bordiga, quando pressionado a identificar a classe capitalista em seu capitalismo russo disse que ela existia nos interstícios da economia Rússia, como uma classe em formação. Para ele, a idéia de “capitalismo de estado” era sem sentido pelo fato de que o Estado podia apenas ser um mediador dos interesses de uma classe; para “O Estado” fazer uma coisa como estabelecer um modo de produção era um abandono do Marxismo. Para Bordiga, a União soviética era uma sociedade em transição para o capitalismo (28).
Esta crítica do formalismo teve novamente consequências políticas. Estava ligada à noção do papel do partido comunista como visto por Bordiga. Ele se opôs resolutamente à guinada à direita do Cominterm em 1021; como Secretário Geral do PCI, ele recusou a implementação da estratégia de uma frente unida do Terceiro Congresso. Em outras palavras, ele se recusou a fundir o recentemente formado PCI, dominado pelo “Bordiguismo” com a esquerda do PSI, do qual o partido havia acabado de se separar. Bordiga tinha uma concepção do partido totalmente distinta do Comintern, que estava se adaptando ao anunciado declínio revolucionário, em 1921, pelo acordo de troca Anglo-Russo, Kronstadt, a implementação da NEP, o banimento de facções e a derrota da ação de Março na Alemanha. Para Bordiga, a estratégia dos PCs da europa ocidental de arregimentar uma massa de sociais-democratas de esquerda através da “frente unida” era uma capitulação completa diante do periodo contra-revolucionário que ele via se alastrando. Este era o centro de sua crítica da democracia. Era em nome desta “conquista das massas” que o Cominterm parecia estar fazendo todo tipo de concessões programáticas aos Social-democratas de esquerda. Para Bordiga o programa era tudo, uma noção rasa baseada em números não era nada. O papel do partido no período de declínio era preservar o programa e levar adiante a trabalho de agitação e propaganda possível até a próxima mudança da corrente, não diluí-lo em busca de uma popularidade efêmera. Esta concepção pode ser contestada com a idéia de que leva ao fechado mundo da seita, como os bordiguistas incomparavelmente se tornaram. Mas possui o mérito de enfatizar uma verdade que a ala trotskysta da oposição internacional de esquerda e seus herdeiros têm sido cegos: quando os partidos de “massa” fora da Rússia aceitaram o stalinismo em meados da década de 1920, as bases já haviam sido preparadas na virada de 1921. Não é necessário adotar o ponto de vista anti-democrático de Bordiga para ver isto: ele desprezou completamente o papel dos soviets e conselhos de trabalhadores na Rússia, Alemanha e Itália. Mas em relação às consequências “sociológicas” da frente unida de 1921 nos PCs ocidentais - a “bolchevização” destes após 1924 - Bordiga estava correto e o Comintern errado. Pois historicamente, a base social de boa parte do Stalinismo pós-1924 entrou nos PCs ocidentais através da tática da “frente unida” de 1921. (29). Bordiga forneceu uma forma de ver a degeneração fundamental do movimento comunista mundial em 1921 (ao invés de 1927 com a derrota de Trotsky) sem mergulhar em gritos vazios por “mais democracia”. A perspectiva formal abstrata de burocracia/democracia, com a qual a tradição trotskysta lida com este período crucial da história do Comintern, ficou separa de qualquer conteúdo. Bordiga durante toda sua vida considerava-se um Leninista e nunca polemizou diretamente com Lenin, mas a sua análise totalmente distinta da conjuntura de 1921, suas consequências para o Comintern, e sua oposição a Lenin e Trotsky na questão de uma frente unida ilumina um ponto crucial que é normalmente obscurecido pelos herdeiros da ala Trotskysta da oposição internacional de esquerda da década de 20.
A idéia de Bordiga de que o capitalismo é igual a revolução agrária é a chave para o século 20; é certamente a chave para quase tudo que a esquerda chamou de “revolucionário no século 20 e é a chave para repensarmos a história do Marxismo e seu enquadramento com as ideologia de industrialização de regiões atrasadas na economia mundial.
Bordiga obviamente não fornece a chave para a “des-russificação” das “lentes” através das quais o movimento revolucionário internacional vê o mundo. Mas levado adiante, seu enfoque na questão agrária o faz. Adentrando a década de 1970, a “questão Russa” e suas implicações eram o “paradigma” inescapável das perspectivas políticas de esquerda, na Europa e nos EUA, e 15 anos depois, parece-se ainda com esta história antiga. Este era o clima político no qual o estudo detalhado da história de mês a mês da Revolução Russa e do Comintern de 1917 a 1928 parecia ser a chave do universo como um todo. Se alguém dizia acreditar que a Revolução Russa havia sido derrotada em 1919, 1921, 1923, 1927 ou 1936, ou ainda 1953, qualquer um poderia Ter uma boa idéia do que estes pensariam a respeito de qualquer outra questão política no mundo: a natureza da União Soviética, da China, dos PCs, da Social-Democracia, dos sindicatos, da Frente Unida, da Frente Popular, de movimentos de liberação nacional, de estética e filosofia, das relações entre partido e classe, do significado dos soviets e dos conselhos de trabalhadores, e se Luxemburgo ou Bukharin estavam corretos a respeito do imperialismo.
Simplesmente enumerar os principais eventos na história mundial desde 1975 é ver quão profundamente mudou nossa forma de enxergar o mundo; precisamos apenas lembrarmos das realidades da década de 80 na Inglaterra de Thatcher, a América de Reagan, a França de Mitterrand, a Russia de Gorbachev, a China de Teng, i.e., a onda “neo-liberal” (no sentido empregado por Von Hayes/Von Mises) que solapou o estatismo da Social-democracia, do Stalinismo, do Keynesianismo e do Bonapartismo do Terceito Mundo. Um conhecimento detalhado da Revolução Russa de 1917 a 1928 e a “visão de mundo” daí derivada parece um instrumento fraco para compreender a evolução pós-76 da China, a Russia sob Gorbachev, a emergência da NICS, a guerra da China/Vietnam/Cambodia, o colapso dos partidos comunistas do Oeste Europeu, o controle completo do Partido Trabalhista britânico, o Partido Democrata Americano e o SPD alemão à direita, a evolução de Mitterrand ao neo-liberalismo, ou o surgimento de correntes “anti-estatais” significativas mesmo em regimes mercantilistas como o Mexico ou a India. Pode-se muito bem adicionar a esta lista um movimento de trabalhadores na Polônia com uma alta dose de nacionalismo crericalista e o reavivamento do fundamentalimo no Islamismo, Judaísmo e Cristianismo, desindustrialização, alta tecnologia e marginalização. Nenhum destes eventos invalidou o Marxismo, mas eles invalidaram a preferência da esquerda Ocidental, década de 70 adentro, de enxergar a realidade através das lentes herdadas da Revolução Russa e seu destino.
A melhor das fases heróicas da Social Democracia alemã e do bolchevismo russo não era suficiente para servir de guia para esta nova realidade ainda que, em vista da nova situação, consequentemente, um “Terceiro Campo” nunca tinha tido ilusões acerca das formações políticas estatais em queda de meados da década de 70 em diante. Ainda assim este “Terceiro Campo”, aceitando o “Imperialismo” de Lenin e uma conexão com outros prognósticos dos três primeiros congressos do Comintern, compartilhavam com os Stalinistas conclusões subterrâneas acerca da inabilidade do mercado capitalista mundial de industrializar qualquer parte do Terceiro Mundo, e foi igualmente levada à desordem pela emergência dos NICs. (30) Mas há uma desordem em um nível mais profundo, um que acerta o coração de uma identidade revolucionária derivada da Segunda e da Terceira Internacional. Se “mapearmos” os partidos comunistas militantes de massa ou regimes existindo na Europa entre 1920 e 1975, eles coincidem quase que exatamente com o mapa de estados despóticos iluministas entre 1648 e 1789. Ou seja: França, Alemanha, Russia, Espanha, Portugal, Suécia (o mais importante PC escandinavo, o único a sobreviver à Segunda Guerra Mundial como algo mais do que uma seita). PCs de massa estão ausentes da Inglaterra, Estados Unidos, Holanda, Suíça (e os “estados coloniais” anglófonos como Austrália, Nova Zelândia, Canadá). Aparentemente a exceção é o PCI. Mas a Itália produziu os protótipos de interesses de Estados absolutistas ilustrados com suas mais importantes cidades-estado mercantilistas locais, e regionalmente as bases da força do PCI parecem se correlacionar com diferentes experiências regionais durante a fase histórica do Antigo Regime. Finalmente, o PCI era e é o mais “social democrata” dos grandes PCs Ocidentais após 1956; esta é obviamente a razão por ser o único restante.
A conexão entre a presença de um estado ilustrado despótico em 1648 e um PC de massa ou um Estado Stalinista em 1945 é a questão agrária. Estes Estados, com a França como protótipo, eram criados para acelerar a capitalização da agricultura. Conscientemente ou não, eles fazendo com seus campesinatos algo parecido com o que o Estado Soviético estava fazendo com camponeses russos de 1928 em diante, e o que regimes liberais capitalistas fizeram no século 19. Os Estados absolutistas ilustrados saquearam os camponeses, através de impostos, como uma fonte de acumulação. Estes métodos eram uma resposta ao sucesso das sociedades civis já trazidas à existência nos países “calvinistas”, cujo sucesso baseava-se em uma anterior capitalização da agricultura, acima de tudo e principalmente na Inglaterra. Capitalismo é antes de tudo uma revolução agrária. Antes de se tornar possível a existência de cidades e trabalhadores urbanos, é necessário revolucionar a produtividade agrícola para ter o excedente necessário para libertar a força de trabalho da terra. Onde isto não foi conseguido em 1648 (o fim da Guerra dos Trinta Anos e das guerras religiosas daí em diante), teve que ser realizado por um estatismo pelo alto. Isto criou a tradição mercantil continental que, após a Revolução Francesa, persistiu até o século 20 com um mercantilismo mais maduro. Isto caracterizou o Segundo Império de Luis Napoleão (1852-1870) e acima de tudo a Prussia de Bismarck e a Alemanha Prussiana. (32). O último, particularmente, foi copiado por todos os “desenvolvimentistas tardios” em todo o mundo após a unificação Alemã de 1870, começando pela Russia.
Aqui o modelo de Barrington Morre (agora colocado em perspectiva) vêm à tona: a década de 1860 foi uma conjuntura fundamental. Foi a época da Guerra Civil Americana, a unificação da Alemanha, a unificação da Itália, a emancipação dos servos russos, e a Restauração Meiji no Japão. Podemos adicionar, em boa medida, o desenvolvimento industrial do Segundo Império na França e a criação da Terceira República, mas isso é secundário. Aparentemente se um país não era “reorganizado internamente” por 1870, ele não tinha chances de estar no “círculo interno” dos países significativamente industrializados em 1914. Segundo, dos cinco países mencionados (mais uma vez deixando a França de lado) quatro em 1933 tinham estados mercantis autoritários/totalitários. Dos principais países, apenas aqueles que participaram significativamente na primeira economia capitalismo do Atlântico Norte (Inglaterra, França e EUA) escaparam as soluções mercantis autoritárias na década de 30, e apenas os EUA dos cinco que se reorganizaram em 1860. (Esta é uma dica importante para a centralidade da histórica experiência pré-industrial). Por que a década de 1860 foi aparentemente um ponto de ruptura tão importante? A resposta parecia ser: a crise muncial de 1873 e, particularmente, a crise agrária (33). Quando os EUA, Canadá, Argentina, Australia e Russia entraram no mercado mundial de grãos como grandes exportadores, foi basicamente recriada a contraposição de 1648 novamente: os Estados continentais, reagido à crise agrária de 1873-1896, tinham todos que transitar para o protecionismo para preservarem suas agriculturas nacionais. O caso mais importante foi a aliança Iron and Rye alemã de industriais e junkers de 1879 que finalizaram a subjugação do capitalismo e do liberalismo alemães ao Estado Prussiano/Alemão dominado pelos Junkers. Mas cenários comparáveis desenrolavam-se na França, Ibéria, Itália e no Império Austro-Húngaro. A emergência no mercado agrícola mundial dos EUA, Canada, Argentina e Australia marcou uma linha em torno do centro de desenvolvimento capitalista avançado por mais de um século. Por 1890 era mais barato embarcar trigo de Buenos Aires para Barcelona do que embarcá-lo 100 milhas de transporte por terra. Os setores agrícolas do s Estados mercantilistas continentais tornaram-se internacionalmente inviáveis. O impacto deste estado de interesses no desenvolvimento do movimento dos trabalhadores não recebeu ainda a atenção que merece.
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