Oct 15, 2008 21:04
Vitrola toca baixo, massageando meus ouvidos e tomando conta da sala. Meus velhos vinis de samba expostos, cantam melancolia, cantam alegrias, amores conquistados, amores perdidos. O velho mestre Cartola cedendo espaço ao carismático Adoniran, todos a seu modo, transmitindo poesia.
Mas não me compreendes. Olhas com desdém para meus discos. Intolerantemente, rejeitas a poesia contida nestas músicas e assim, rejeitas também, a poesia que poderias encontrar em meu coração. És como jurado em desfile de escola de samba, queres avaliar todos os movimentos, e a harmonia, e a letra, esperas um erro meu final dando-me assim a decisiva nota ao amor que lhe compus.
Me é desprendida toda uma vida de trabalhos, os despojos de velhos carnavais que sequer entraram na avenida foram reunidos, polidos, e reformados numa nova empreitada na passarela. Jogo tudo ao olhar crítico daqueles que não tem a sensibilidade necessária para interpretar meu samba, empurro-lhes à força pela garganta todos aqueles que, antes de mim, cantaram sambas do meu amor mesmo sem saber. Faço isso com a alegria que não tive em outros carnavais, desfilo minha paixão, sabendo antecipadamente que não serei compreendido.
Mas ignorais meus esforços, sequer compareceu ao dia de desfile. E hoje estás aqui em minha sala, a observar com estranheza meus discos, a querer interpretar com tua mente impura o que apenas os corações com o mais límpido amor conseguem entender. Não, estes sambas não são para cantares ao léu, proibo-te terminantemente de apropriar-se deles. Estes sambas eu cantara ao amor teu que um dia desejei.
São espólios de um sonho perdido, amor que desperdiças-te com outros mal sucedidos. Pensares que eu estaria aqui a esperar-te por toda a vida? Vai-te! Vai-te e nunca mais volte, perdeste a apoteose e agora só restaram os antigos despojos. O amor que eu dediquei-te agora está todo na dispersão. Não atentou para as fantasias e o brilho, então não penses agora que ainda tens espaço nesta escola. Ela fechou-se, e vivo hoje dos meus antigos discos cantando histórias não contadas.