(no subject)

Oct 15, 2007 03:37

É então é só isso que tem a me oferecer? Ele perguntou num tom irônico e sem empolgação. Ao ver o aceno positivo de cabeça do outro, “Essa vidinha medíocre sem coisa alguma, mais vazia que o tacho de arroz. Você é louco de me oferecer apenas isso.” - “De ter coragem para isso.” - “Medíocre”.
O outro não voltou a responder. Com a cabeça baixa, pensava em fugir... fugir dali e daquela pessoa tão cruel que jogava seus sentimentos e intenções no lixo, como se nada fossem, como se não tivessem o menor valor. “Mas não têm. Essa merda toda não tem valor algum”. - “Eu mereço mais. Eu terei mais”. A cabeça baixa e a certeza da tristeza. Sentiu aquela lágrima sendo formada em seu íntimo, em sua tristeza, em seu coração, sua humilhação e decepção. A lágrima formada encostou-se no canto do seu olho direito. Com uma leve piscada, caiu. Caiu e rolou por todo o rosto, com o peso de uma armadura que cai do alto de um castelo. Com o peso da mágoa de um amor. Rolou até cair no chão, onde se perdeu entre os vãos do piso mal colocado. “É drama” - O primeiro disse ao ver a lágrima rolando. “Não me afeta. Eu digo a verdade. Não me merece, é medíocre”. Outra lágrima tentou se formar, algo a segurou. Talvez orgulho, talvez decepção, talvez cansaço. Um cansaço extremo que ele sentia ali, em pé, diante da porta de entrada. Um cansaço que não lhe permitia formar lágrimas, nem dar passos, nem abrir os lábios e formar palavras. Um cansaço que o deixava preso ao chão, à sua vergonha, sua humilhação e vontade de algo que não entendia. Chorava por dentro, com uma intensidade gigantesca. As lágrimas eram pesadas e rolavam sem parar. Mas não passavam da barreira dos olhos, estava cansado demais para piscá-los, para permiti-las. Não, não, estava muito cansado.
O primeiro olhava, um olhar sarcástico, talvez até de nojo. Sabia das lágrimas internas, via-as. O outro era transparente para ele. Medíocre, cada vez mais. Com aquelas lágrimas escondidas e aquela cara de bunda. Bunda. Bunda suja. Aquela cara de tristeza. Cara comprada, de novela. Uma farsa! Farsante! E ainda tenta convencer. Tenta emocionar e fazer sentir pena. Farsante. Nojento. Porco dramático.
Cospe. Cospe no chão. Cuspiria no corpo do outro se estivesse sobre o chão. Cuspiria na cara do outro se estivesse mais perto. Medíocre. Sentia nojo, repulsa, bebia suas lágrimas e depois cuspia-as na pia. No chão. Nojo. Farsante.
Parado no chão, como se preso. Doía-lhe as costas. O peso da tensão era superior ao das lágrimas e o puxava para baixo. Ele caía. Caía porque não sabia se manter em pé. Não queria. Queria chorar, mas estava cansado. Queria bater no primeiro. Um tapa que lhe virasse o rosto, o rosto e a consciência. Um tapa que o fizesse pensar. Cruel. Monstro. Nojento também. Sonhava com o tapa que daria. Dava-o em sonho. Com a mão cheia e o coração também, junto com as lágrimas que escorriam por dentro. Depois deitaria no tapete e ali ficaria. Receberia um cuspe na cara e outro no corpo. Deitado no chão. A humilhação lhe pedia, obrigava-lhe. Forte o suficiente para receber o cuspe. Cansado para fugir dele e para soltar as lágrimas que insistiam em rolar por dentro.
Então apertaram uma buzina lá fora. O primeiro foi em direção ao dono da buzina. Rua. O outro deitou no chão. Sem o cuspe, apenas com as lágrimas que rolavam por dentro. O cuspe viria alguma hora. As lágrimas também. Mas agora... apenas o chão, o chão que sustentava seu cansaço.
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