Queria escrever algo sobre o Ceará...Acabou saindo essa coisa tosca aí. u.ú
ah sim, tem um pouco de CExPE.
Ele não se lembrava ao certo como. Ou a partir de quando passou a pensar daquela forma, e também não fazia ideia de quando isso mudaria. Ou se algum dia isso iria mudar. Mas parecia para ele que quanto mais o tempo passava, mas as coisas que surgiam ficavam estagnadas. Imutáveis. Como raízes fundas no cérebro. E Ceará odiava isso. Logo ele que sempre ficava ansioso para ver qualquer sinal de mudança. Que nunca agüentava ficar em um mesmo lugar por muito tempo. E por mais que o mundo estivesse em completa mutação, o Estado das luzes sabia que havia algo, nele mesmo, que continuava imutável.
Desde quando? Ele não lembrava. Por quê? Ele não sabia. Mas aquela atmosfera de concorrência que lhe açoitava as costas, era algo constante em sua existência. Era um chicote invisível que o impulsionava para frente. Que o fazia correr rápido ás cegas, debaixo de um sol forte. E o forçava a erguer as mãos para alcançar um troféu, que não existia.
“Eles não se importam... Então tenho que ultrapassá-los de alguma forma, só aí eles vão se importar comigo.”
Pensava constantemente. E isso também o irritava. Ceará não gostava de ter um pensamento fixo, mas esse já estava entranhado demais em seu subconsciente para ser eliminado. Talvez esse sentimento tenha surgido depois da decadência de seus irmãos. Ele estivera a tanto tempo no fundo do poço, que quando todos se juntaram a ele, começaram juntos uma corrida desesperada. Baseada em pequenos acertos e em graves erros, escalando as paredes de um poço que sempre esteve fechado.
Ou talvez isso tivesse começado a criar raízes muito antes. Na época em que aqueles vários homens estranhos, usando roupas pesadas demais para suportar o calor, lhe olhavam de cima a baixo e desistiam de cuidar dele. Afinal, ninguém esperava muito daquelas suas terras secas e desoladas. Portugal foi o único deles que realmente o aceitou, mas como não tinha grandes expectativas sobre aquela capitania, logo o colocou para trabalhar para outras mais produtivas.
Ceará era sério naquela época. Um garoto pequeno e magro, as canelas finas e os joelhos ossudos. Em seu rosto grande, um par de olhos negros que brilhavam fortes, sem nada a temer. Sem nada a perder. Sem nada. No rosto lábios secos. Sem nada a sorrir. Sem nada a falar. Sem nada.
Mas ele crescia com o tempo. Mais lento que seus irmãos. E um sorriso torto aparecia em seus lábios com o passar dos anos. E seus olhos faiscavam espertos, notando detalhes. E sua lábia ficava afiada. E ele xingava constantemente, e falava constantemente, e perdia a paciência constantemente, e algo lhe empurrava pra frente constantemente, e algo o empurrava para baixo constantemente.
Tudo era assim. Constantemente. Enquanto ele crescia e mudava.
Ceará já não queria receber ordens de ninguém. Ele gostava de ver as confusões acontecerem. Ás vezes participava, e muitas vezes só observava em silêncio. Se esforçando para não se meter na briga. E o império brasileiro não o ouvia. Para ouvi-lo, Ceará tinha que ir contra as regras ou passar na frente de todos. Abolir a escravatura foi algo que o estado queria ter feito há muito tempo, e graças ao seu abolicionismo precoce ele passou a ter uma expressão iluminada no rosto.
“Eu fiz alguma coisa pelo que sou lembrado até hoje. Foi somente uma, mas já é digno.”
Brasil tinha se surpreendido com isso, mas o choque inicial do feito daquela província se transformou em um certo respeito mais tarde. E Luciano visita seu “filho” mais vezes atualmente, quase sempre indo ao beach park e fazendo piadas sobre o tamanho de sua cabeça, ou sobre seu sotaque nasalar. Ceará ria, enquanto discretamente escondia seu joelho de tamanho anormal e soltava uma ou outra frase engraçada. Os dois se divertiam o resto do dia. E quando Luciano ia embora, Ceará desmanchava o sorriso.
O que mais poderia fazer para chamar atenção dele? Fora abolir a escravatura antes dos outros, o que mais ele fez? Por isso a concorrência era a sua tirana, e a sua musa ao mesmo tempo. Seus maiores concorrentes tinham feito muito mais coisas do que ele, e isso o irritava. Por isso ele vasculhava qualquer informação a mais para alcançá-los. E mencionava seus “filhos” que ficaram conhecidos, geralmente escritores consagrados, ou outras coisas que poderiam lhe favorecer. Mas tudo só voltava para as praias no final de tudo.
Somente as praias. Somente a abolição precoce. Somente isso. Enquanto Pernambuco tinha feito tudo o que podia ter feito. Era só folhear os livros de história que todos poderiam se surpreender com suas aparições aqui e ali, em quase todos os capítulos que se tratava do país. Aquele desgraçado. Ele já teve tudo, inclusive tempos de glória, e até hoje é um completo resmungão. Mesmo que nem todos só o visitem para ir a praia. A praia. Somente a praia, isso o que eles eram. Todo o esforço em vão. Somente a praia.
Era inclusive numa delas que eles estavam agora. Era uma praia de Pernambuco. Ceará segurava firmemente sua prancha, furando águas que não eram dele. O céu estava nublado, e nuvens negras indicavam que estava chovendo no alto mar. Mesmo assim aquelas águas eram mornas, estranhamente mornas, como um abraço. O vento frio cortava como facas. Ficar dentro d’água era bem mais confortável naquele dia, por mais que o mar estivesse bem revolto.
Pernambuco estava ao seu lado, observando as nuvens negras e procurando as grandes ondas escuras entre as águas.
“Ele nunca se importou comigo. Ele me vê como um moleque que precisa tomar juízo, não importa o quanto eu xingue ou tente chamar atenção.”
-ôxe...essa é minha!
Avisou Pernambuco subitamente, virando a prancha e começando a remar. A onda estava ótima, mas o mar era revolto naquele dia. Pernambuco se colocou em pé na prancha e conseguiu pegar a onda por alguns segundos, executando uma manobra e meia, antes de perder o equilíbrio graças ao vento e cair por trás da onda. Ceará tinha ficado de pegar uma outra que vinha logo atrás, então Pernambuco logo emergiu se apoiando na prancha. Olhou para a onda em que Ceará deveria estar. Mas não se via nem sinal dele. Aliás, ele não estava em canto nenhum.
Pernambuco não sabia que seu vizinho havia pegado a mesma onda que ele, só que foi para o lado esquerdo. Se ele soubesse, teria avisado para o mais novo seguir ele. Por que para aquele lado tinha pedras no fundo, resquícios de um antigo recife de corais. Se Ceará não estivesse tão absorto em pensamentos, se ele não estivesse tão desesperado para conseguir ultrapassar o concorrente, ele não teria batido a cabeça nas pedras. Ele não estaria sendo sacudido pelo mar revolto. Ele não estaria perdendo os sentidos rapidamente. Ele não estaria sentindo frio em meio aquelas águas mornas. Mornas como um abraço. Dois braços surgiam na escuridão e lhe abraçavam. Forte. Mas estava frio. E escuro. Não importava o quanto o sol brilhasse lá em cima, nem o quanto a temperatura fosse alta.
E aquela pessoa que o abraçava sussurrava em seu ouvido.
“vai ficar tudo bem. Você vai ficar bem.”
Ceará não sabia quem era. Não reconhecia a voz nem aquele abraço. Pode ser que fosse um anjo. Mas ele não sabia. Tudo estava escuro e frio. E Ceará não gostava nem um pouco disso.
E então de repente, o Estado sentiu uma pressão dolorosa no peito. Tossiu expelindo a água dos pulmões e lufadas de ar começaram a entrar desesperadas. Ceará abriu os olhos, os sentidos voltando, seu corpo pesava e a cabeça doía bastante.
Quando sua visão voltou ao normal, viu que Pernambuco estava debruçado sobre ele. Um olhar aliviado em seu rosto. Ele estava muito próximo, e Ceará estava constrangido. Ele não queria ter sido salvo. E muito provavelmente, tinha rolado até respiração boca - a - boca.
-G-graças a deus...Véio, você quer me matar do coração?
Ceará não disse nada, tentou afastá-lo para poder se sentar. Mas Pernambuco ainda o segurava na areia.
-Tu não pode fazer esforço não, caba. Tua cabeça tá sangrando!
Ceará odiava aquilo. Receber ordens. Mas ele não mostrou resistência alguma. Pernambuco o ergueu empurrando suas costas, para que ele pudesse se sentar. E depois o colocou de pé, usando seus ombros de apoio para que o ferido pudesse caminhar. Ceará se sentia ridículo. Ele nunca gostou de parecer fraco na frente de ninguém. Ainda por cima na frente de seu maior concorrente. Mas Pernambuco não o via como um inimigo ou ameaça. Muito menos como concorrente acirrado. E isso deixava Ceará impaciente, xingava e falava mal dele, esperando chamar atenção. Mas isso não dava resultado, só fazia crescer sua frustração.
E mesmo depois de tudo, Pernambuco ainda o salvava e o ajudava a caminhar. O cearense não sabia se sentia raiva ou gratidão. Se ele fizera aquilo pra parecer superior ou por que se importava. Sua cabeça latejava. Ele sentia o sangue escorrendo e molhando seu rosto. Pernambuco o levava para um médico, uma expressão nervosa no rosto. Mas quando ele viu o par de olhos negros curiosos lhe encarando, sorriu brincalhão.
-Com essa, acho que tua cabeça vai ficar maior do que antes. Tome mais cuidado da próxima, cabeção...
Ceará olhou para a areia, e sentiu as lágrimas se juntando ás gotas de sangue e de água do mar que escorriam pelo rosto. Ele não sabia se estava chorando de felicidade ou de tristeza. De dor ou de alívio. De raiva ou de remorso. Apenas chorou. Sua cabeça latejando. Seu braço sobre os ombros do vizinho, ele segurando firmemente sua cintura. Um nó desconfortável em sua garganta.
-Obrigado.
Disse Ceará parando de andar. Os soluços quase o impedindo de respirar. Pernambuco parou. Ele nunca vira aquele estado agradecendo antes. “Deve ter sido difícil para ele.” Pensou. Abraçou o vizinho e sussurrou em seu ouvido.
-Vai ficar tudo bem. Você vai ficar bem.
E Ceará estava confuso, mas reconheceu aquelas palavras. Fechou os olhos e respondeu o abraço. Era um abraço morno como o mar, mesmo que a chuva estivesse caindo e o vento frio cortasse como facas.