Jun 30, 2009 09:14
#1 Eu, por exemplo, achei um absurdo quando essa doida falou que inspirou-se apenas nos livros da Jane Austen para compor seus personagens e todo o clima de romantismo. Primeiro lugar, se é mesmo autêntico muitas coisas divulgadas pelos detratores ou simplesmente críticos mais afoitos - como você, hehe - de Twilight Net afora, então essa mulher não compreendeu bulhufas da essência "austeniana", ou está achando pêlo em ovo, afinal a Elizabeth Bennet de Orgulho e Preconceito nem de longe é uma garota fútil e apenas preocupada em ser a mulher ideal para seu amor/marido. a Elizabeth Bennet é uma heroína real, sem idealizações fugazes ou maniqueístas, comete erros - inclusive de julgamentos, movida a preconceitos -, age pela razão na maioria das vezes - mas a emoção e a comoção também têm espaço em sua personalidade, obviamente. Quanto ao egoísmo, a Liza tem lá seus deslizes, mas não passa perto do que já ouvi falar dessa Bella concebida pela Meyer.
E pelo menos em OeP não vi nenhum herói santinho como esse Edward Cullen, vampiro sem nenhuma categoria (vampiro que não morde = vampiro sem categoria), rs. De certa forma, mesmo que com uma certa ousadia e criatividade nessa nova concepção vampírica, a Meyer destroçou a imagem dos sanguessugas sedutores, porque privou-a de seu mais visceral e antigo simbolismo: a personificação da libido.
E como alguém pode escrever algo sobre vampiros sem ter lido pelo menos a obra-prima máxima, o Drácula do mestre Bram Stoker, OMG! Uma catástrofe!
#2 Já escrevi umas críticas, meio dispersas Net afora, sobre Twilight, mas nunca algo que passasse do terreno das conjecturas e do "me falaram que...". Não li nenhum livro da saga ainda, portanto não me sinto no direito de criticá-la de uma forma pretensamente terminante, coerente ou com fortes argumentos. Sou fã de HP - portanto já fui alvo de preconceito por muitas pessoas, a maioria delas sequer tocou num volume da série -, sou uma pessoa inteligente e com verdadeiro senso crítico, e sei que não se deve amar ou odiar aquilo que não se conhece profundamente, como já dizia Leonardo Da Vinci, e isso se estende às críticas que pretendem ser bem fundamentadas.
Mas, pelo que já me falaram, por críticas em publicações e Net afora que li, além de depoimentos da própria Meyer - mas desse vídeo eu não sabia -, percebi que Twilight nem de longe possui a profundidade e a amplitude um HP: a riqueza polissêmica, o perfil psicológico bem traçado e humanista de grande parte dos personagens, as mensagens e alegorias, a religiosidade inserida de uma maneira sutil e não gritante ou fundamentalista - a proposta de HP é o extremo-oposto disso -, o libelo à miscigenação e às liberdades individuais contidas, postura anti-preconceito, a crítica de teor político-ideológico contra o autoritarismo e a opressão estatal, até mesmo as abordagens pedagógicas, etc. É tanta coisa que HP nos oferece, seja explícita ou implicitamente, inseridas ali de forma inteligente e questionadora. Claro que HP não é uma obra literária excepcional - tem suas incoerências, pontas soltas ou mal amarradas, alguns personagens e símbolos foram subestimados pela Jo, ela não tem batuta para reger romances com maestria, etc -não possui a densidade de um Dostô ou Machadinho, e se se tornará um clássico apenas o tempo dirá; mas é sim uma obra rica, importante e que foi decisiva no cenário contemporâneo, grandiosa, literatura fantástica de alta qualidade.
#3 Sei de homens que gostaram da série, ou pelo menos do primeiro livro. (...)
Mas é fato que HP consegue mexer com indivíduos de qualquer idade, sexo e origem. A maioria dos fãs hoje, por exemplo, são adolescentes e adultos jovens - como eu -, até porque cresceram acompanhando a série; e conheço pessoas bem maduras em termos etários que adoram HP e tem a mesma disposição de uma criança para enfrentar uma fila de cinema na estreia, hehe.
Quanto às pontas soltas ou mal amarradas, achei o CÚmulo o Rony ter conseguido aprender/imitar ofidioglossia para pegar o dente do basilisco na Câmara Secreta, só para ficar no mais absurdo. "Forçação" de barra total!
#4 Aqui vai uma pseudocrítica que postei no blog de um colega meu sobre a série:
Já critiquei a torto e a direito essa obra literária/cinematográfica, mas sempre, racionalmente, com o olhar de quem apenas conhece sobre a obra, está inteirado de suas concepções e de sua trama, mas nunca a leu ou assistiu. Daqui a pouco eu deixo uns links com minhas críticas aqui.
Bem, falando rapidamente, Twilight é uma série que narra a história de uma garota humana que se apaixona por um vampiro, ou seja, um super-clichê, explorado, escavacado e remendado em Hollywood. Mas claro que muitas vezes é impossível fugir de certos clichês, umas vezes porque assim o são também na vida real, outras pelo apelo e fascínio que contém. Twilight enquadra-se nessa segunda acepção. E o faz até de forma inovadora, afinal o vampiro não é um sedento por sangue diabolicamente sedutor, que cedo ou tarde morderá a mocinha e a transformará num deles, mas sim um moço "casto" e "puro", bonzinho, rsrs, que respeita a condição dela como humana e quer ser um vampiro diferente - é mais ou menos assim? Ele se aproxima muito mais de um herói romântico com toques de Jane Austen - embora não admito que a comparem tão abusivamente com a Austen, uma das maiores escritoras inglesas e cujos "heróis" não eram nada santos -, ou até mesmo José de Alencar. E a mocinha, a Bella, também tem toques de Elizabeth Bennet, de Orgulho e Preconceito, uma obra-prima que eu já tive a honra de ler.
Contudo, mesmo que assim divulguem os personagens, é bom salientar que, pelas opiniões desfavoráveis - e de pessoas inclusive até mais versadas em Literatura que eu -, há muito de propaganda enganosa ou equivocada nisso. Segundo me disseram, Elizabeth tem pouco ou nada a ver com a Bella de Twilight, esta uma moça fútil, egoísta e até certo ponto submissa, capaz até de negar-se para viver o seu amor, sem que o outro lado faça suas concessões. Ou seja, a mocinha submissa, idealizada em alguns pontos. E sei que a obra está impregnada de concepções cristãs moralistas: eles não fazem sexo, não entregam-se carnalmente, ao recusar a mordê-la, Edward estaria simbolicamente negando a "desvirginá-la", e inclusive de ele mesmo pecar, entendes? São como pactos de virgindade até o casamento, rsrs, lembrando que a escritora é mórmon. A maçã da capa do livro, segundo a própria autora, simboliza o fruto do conhecimento do bem e do mal, o desejo de ter esse conhecimento e de devassá-los, provar por si mesmos esse fruto - como no mito de Adão e Eva, a repressão tanto pelo sexo quanto pelo conhecimento distado e/ou contestador do religioso - e não propriamente o sexo. Implicitamente, há aí um libelo à repressão sexual.
E muitos falam que a obra é maniqueísta, não possui a profundidade de Harry Potter. E isso eu até digo por conta própria, afinal sou fã, e sei a capacidade da Jo - J. K. Rowling, a autora de HP - de desenvolver histórias pessoais convincentes e complexas, além de personagens contraditórios e até ambíguos, o bem e o mal dentro do ser humano, uma concepção humanista. Muitos escritores e críticos deveras afirmam HP ser superior literariamente a Twilight. Nomes como Stephen King e Ray Bradbury admiram HP, e este primeiro repudiou Twilight numa entrevista recente. [2]
E outra: VAMPIRO = SEXO. O vampiro é uma personificação tanto dos nossos desejos reprimidos (e sangue remete a sexo, a mordida remete à penetração e ao lado violento do sexo, etc) quanto da nossa aspiração à imortalidade (mas uma imortalidade em que ainda estejamos ligados ao corpo e que possamos satisfazer nosso desejos carnais, a contraposição da imortalidade de caráter divino).
#5 (...) Orgulho e Preconceito, uma obra-prima da Jane Austen. Baseie-se no que escrevi numa das réplicas acima, sobre a relação Elizabeth (OeP)/Bella (Twilight). Você vai ver como essa Meyer tem uns 10 parafusos a menos, rsrs.
A ideia de que ser mordido por um vampiro o transforma em um realmente fazia mais sentido antigamente - afinal era o início da disseminação do mito, e portando a população sanguessuga era menor, rsrs. Mas agora não me lembro ao certo se é assim mesmo no Drácula, ou se o Stoker já havia concebido a transformação apenas no beber do sangue vampiro pela vítima - e se não me engano é assim em algumas mitologias, afinal há diferentes concepções sobre os vampiros, dependendo do país/região.
E essa dos vampiros brilharem é ridícula, como as pessoas não percebem? Sem caninos salientes, então, pior ainda (mais outra castração semiótica, afinal remete à natureza bestial do vampiro e ao fálico). E dizem que a explicação achada pela Meyer para explicar a gravidez da Bella é o cúmulo do ridículo e do insulto à inteligência.
#6 Queria completar meu pensamento, com algumas reflexões que anotei ontem. Tava até pensando em transcrever esses meus coments no meu blog, um post sobre vampiros, sei lá.
A mordida do vampiro, que inflige simultaneamente dor e prazer à vítima, remete ao despertar da sexualidade/perda da virgindade, fenômeno marcado por essa dicotomia sensorial. O êxtase alcançado, provocado pela mordida, é análogo à liberação da libido, dos nossos desejos sexuais - e com uma carga de violência embutida, ambas libido e agressividade são as nossas forças primárias e visceralmente ligadas - reprimidos.
O vampiro é o sexo, o erotismo em toda a sua potência, o desencadeador do que é latente, o conhecimento que nos é negado - o qual é perigoso, e nessa acepção a maçã que encima a capa de Twilight é um simbolismo bem inserido, o "fruto proibido" do conhecimento -, o pecado, a busca pela juventude eterna e pela imortalidade que não nos privem de prazeres terrenos - em oposição ao divino -, o afastamento - mas não propriamente a negação - de Deus através do chamado da carne e da comunicação com o diabólico.
Notem que na figura do vampiro tradicional e arcaico, de forma eu diria até explícita, há uma série de metáforas e simbologias conectadas ao pensamento religioso, sobretudo cristão, altamente repressor. Ora, nesses países onde floresceram as concepções do vampiro tradicional, imortalizado pelo Stoker, a religião predominante era a cristã (católica ou ortodoxa). É o medo da cruz e de outros símbolos cristãos, o suicida que se transforma em vampiro, o sanguessuga como um ser amaldiçoado pelo próprio Deus, e por aí vai, só para ficar no mais superficial.
bram stoker,
crítica literária