Já há tempos que tinha vontade de ler um livro da escritora Rita Ferro. Estive quase quase a ler o anterior, mas depois meteu-se qualquer outro pelo caminho e passou; mas talvez ainda lá volte, porque gostei tanto deste Veneza Pode Esperar, que fiquei com vontade de repetir. O facto de se tratar de um diário convenceu-me, gosto muito da diarística, e acho que RF conseguiu uma coisa admirável que foi encontrar, na escrita de um diário que se sabe à partida que é para publicação, o ponto exacto entre o confessionalismo (sem nunca tropeçar no intimismo ou no gossip, mas também não os desprezando completamente) e o carácter reflexivo e um pouco mais distante e analítico sobre a condição humana.
Para mais, Rita Ferro escreve bem, de maneira elegante, e com humor. Sabe compor a sua própria personagem em doses homeopáticas de ego e auto-depreciação, mas sem nunca correr o risco da auto-complacência ou do cinismo. É feminina e feminista; nunca santa ou predadora. Defende as jóias da família, mesmo quando tem de as vender, e a exacta consciência de classe livra-a de frivolidades e de frioleiras. Deu a impressão de que este livro foi uma prenda, e uma prenda de amor. E isso só o engrandece.