Feb 09, 2011 13:18
O prédio onde os meus pais vivem foi construído nos anos sessenta do século passado, e ainda sobrevivem alguns dos seus moradores originais. É, tirando muito poucas excepções, um prédio de velhos. Muitos dos que nele viviam quando fomos para lá morar, em finais dos anos setenta, já morreram. A maior parte das pessoas novas que se vêem a entrar ou a sair são filhos e sobretudo netos dos moradores. Aquele prédio é um bom representante do estado em que está a pirâmide etária nacional.
Ontem à noite, depois da minha visita habitual da hora do jantar, ía a sair do prédio e encontrei um vizinho, ou melhor o filho de um vizinho. A minha mãe tinha-me dito que o vizinho propriamente dito, um octogenário muito perto de se tornar nonagenário, uma espécie de patriarca do prédio, homem de enorme lucidez e de alguma energia (que vai todos os dias ao hipermercado da zona, mais ou menos dois quilómetros a pé, e que há pouco tempo me levou lá a casa para ver os aparelhos onde faz diariamente os seus exercícios), tinha caído e sido levado para o hospital na segunda-feira de manhã. Estive um pouco à conversa com o sujeito, e inteirar-me do sucedido e do estado de saúde do pai, e fi-lo, mais do que por educação ou mera conveniência, por verdadeiro interesse. Primeiro porque simpatizo muito com o velhote, e depois porque nos velhos dos outros vejo os meus.
Quem vive em Coimbra sabe que o céu da cidade é constantemente cruzado por altíssimos riscos de vapor, deixados pelos inúmeros aviões cuja rota passa na vertical da cidade. Nestes dias de limpíssimo céu azul que têm estado, em qualquer altura que se olhe para cima é provável ver o traçado de um ou mais aviões, quando não calha ver mesmo as próprias das aeronaves, um pontinho de metal cintilante a cruzar o céu distante e de um azul intenso, marcado com o seu fulgurante rastro. Ou, à noite, o piscar das luzes riscando a escuridão celeste.
Pois bem, ontem, estava eu à conversa com o filho do vizinho, e ouvi, ouvi clara e distintamente, o ruído muito longínquo do motor de um avião. Acho que foi a primeira vez que me aconteceu. Ouve-se muitas vezes o metralhar do rotor dos helicópetros, nas suas idas e vindas dos hospitais. Mais raramente ouve-se, e quase nunca se vê, o estrondo dos aviões militares de alguma base aérea da zona. Mas assim, um avião, daqueles que são um ponto vago de luz lá muito ao longe, acho que foi a primeira. Claro que me concentrei imediata e exclusivamente no barulho do avião e, por uns momentos, deixei pura e simplesmente de prestar atenção ao que me estava a dizer o filho do vizinho. E lembrei-me da canção do Caetano (que é uma das minhas preferidas): "while my eyes, go looking for flying saucers in the sky".
caro diario