Gostaria de transcrever para aqui todo o artigo de opinião que Rui Tavares publica hoje, como habitualmente às sextas-feiras, na última página do jornal Público. Intitula-se: “Será a nossa necessidade de ódio impossível de satisfazer?” De qualquer maneira, mesmo não sabendo se o acesso ao artigo na edição online do jornal é condicionado, aqui fica o link:
https://www.publico.pt/2017/12/15/opiniao/opiniao/sera-a-nossa-necessidade-de-odio-impossivel-de-satisfazer-1796085?page=/&pos=2&b=opinion__compact .
Rui Tavares começa por referir um acontecimento que passou completamente desapercebido nos media e nas redes sociais (pelo menos eu só dei por ele ao ler a crónica de hoje): o Templo Romano de Évora, esse postal turístico obrigatório da nossa história de que tanto nos orgulhamos, estava a cair aos bocados, a desmoronar-se. A notícia do Público é de Agosto deste ano. Já esta semana o jornal noticiava que, graças aos esforços conjuntos das entidades oficiais envolvidas, o monumento foi restaurado em seis meses!
Em contraponto, Rui Tavares coloca a polémica do Panteão Nacional e dos jantares que lá se organizavam, e que deu direito a incêndio mediático e nas redes sociais, a debates parlamentares, a intervenção do governo, a iniciativa legislativa. A diferença, conclui Rui Tavares, é que neste caso havia alguém a quem odiar, e no caso do templo de Évora, não só não havia ninguém para odiar como, pelo contrário, haveria alguém a quem tecer elogios.
No resto da crónica, e em consonância com o seu título, o autor expressa a sua preocupação, e se calhar até a sua perplexidade, por esta necessidade que temos de exacerbar os nossos sentimentos mais negativos e agressivos, de como andamos de indignação em indignação, para mais agora que temos muita facilidade de acesso a meios que nos permitem transformar esses ódios em verdadeiras ondas de choque colectivas. E o mais grave ainda, refere o autor do texto, é que essa “cena do ódio” deixa um rasto de decisões, muitas delas irreversíveis e com consequências, e que foram tomadas no calor da refrega, para alimentar ou satisfazer os sentimentos mais primários e os apetites mais agressivos.
Não posso, é claro, estar mais de acordo, e já algumas vezes tenho escrito aqui sobre isso. Ainda agora nesta cena da IPSS Raríssimas, de repente passamos todos a insultar pessoas que não conhecemos, cuja acção, meritória ou censurável, nunca nos preocupou ou afectou, e tudo porque, objectivamente, alguém comprou vestidos de duzentos euros ou quilos de gambas à custa de subsídios do Estado. E quanto mais o caso se desenrola mais se fica com a impressão de que todo este alarido não teve por objectivo moralizar o sector social em Portugal, mas apenas fazer fogo à peça a um ministro que, aparentemente, até é dos melhores do governo, ou pelo menos um daqueles que tinha taxas de aprovação mais elevadas.
E a crónica de Rui Tavares conclui com um aspecto que nos devia seriamente criar algum desconforto individual, ou mesmo moral: "(...) Há dias em que olho para o nosso debate público - e não só nas redes sociais, note-se, e não só em Portugal - e penso que está na altura de fazer a pergunta incómoda: estará a nossa necessidade de ódio, na política como na religião como no futebol, a ficar impossível de satisfazer? Encaremo-nos ao espelho antes que fiquemos mais feios."