Nov 30, 2015 13:00
Amanhã começa o mês de dezembro. Passa um ano sobre o que foi, seguramente, o pior mês da minha vida. Cada dia muito mau, sempre pior que o anterior. Não foi um nem três ou cinco. Foram muitos, dias terríveis, de uma tensão enorme, e de uma dor ainda maior, de uma angústia insuportável.
O dia em que o meu pai baixou à casa de saúde (logo o primeiro do mês). O dia em que soube que tinha tido uma recidiva e tinha de ser novamente operado. Que foi o mesmo dia em que a minha mãe caiu, e nunca mais andou. O dia em que me telefonaram a convocar para a cirúrgia e eu sem saber o que fazer à minha mãe. As notícias do agravamento do estado de saúde da minha mãe, e de que o fim estaria iminente, apesar de ela exteriormente ainda parecer bem, graças à sua enorme força e vontade de viver. O dia em que tive de a levar às urgências por causa da perna e ouvi o ortopedista comentar que se a minha mãe tinha uma esperança de vida inferior a três meses não valia a pena operar. O dia em que a deixei em casa e fui para o hospital para ser operado no dia seguinte (depois disso já tive outra recidiva e fui novamente operado). O último sábado em que a minha mãe foi verdadeiramente feliz, passado com o meu irmão e comigo, operado há quatro dias. Depois, dois dias de uma pneumonia sempre a agravar, e a decisão de a internar nos cuidados paliativos, com a certeza de que já não sairia de lá. A véspera de natal, passada nos cuidados paliativos e depois em casa, sozinho com o meu gato, e a sofrer as consequências incómodas do meu pós-operatório. As visitas ao meu pai, nessa altura ainda muito saudoso de casa e da minha mãe, e confuso e angustiado com a situação do seu internamento. E ainda antes do fim do ano, ao mesmo tempo que parecia melhor da pneumonia, a saúde da minha mãe sempre a piorar, a entrar em estados de inconsciência e outros de grande agitação e revolta.
Foram dias infernais. Mas eu passei-os com uma força e uma resiliência que eu próprio não sabia que era capaz; e se a vida já tinha testado a minha capacidade de resistência, desde muito novo. Algumas vezes, num certo dia até mais do que uma vez, senti-me desesperado, a pensar que já tinha atingido o limite e que não era capaz de dar nem mais um passo, mas as pessoas e as circunstâncias à minha volta exigiam tanto de mim, que eu era forçado a acalmar e seguir em frente.
Queria deixar tudo isso, todo esse sofrimento, para trás, mas é muito difícil. Foi uma coisa, ou uma série de coisas, que me perturbaram imenso, e das quais verdadeiramente nunca recuperei. Esses dias continuam a vibrar na minha vida de maneira aguda e intensa. E agora que passa um ano sobre esses acontecimentos, sinto uma vontade de chorar como acho que nunca senti nessa altura. Já não o choro do desespero, mas aquele choro que nos consola, que é quase retemperador, do qual saímos com determinação para encerrar a porta do passado e seguir em frente.
Ou escrever. Escrever sempre me ajudou a superar-me a mim e às coisas que me acontecem. Pensei escrever um diário desses dias, uma especie de palimpsesto desse mês, cada dia escrever sobre o dia correspondente do ano anterior. Mas falta-me determinação para o fazer e provavelmente isso ir-me-ia causar uma angústia desnecessária. Gostaria de ser capaz de pegar nesse sofrimento todo e transformá-lo em ficções, mas ele está demasiado colado a mim. Pode ser que seja este texto, aquilo que eu estava à espera de conseguir escrever para afastar o medo que sinto em relação a este calendário que me preparo para atravessar.
Esses dias aconteceram, de facto; eu vivi-os e atravessei-os um a um. E apesar de ainda olhar para eles sem nenhuma distância (ou não estaria aqui a escrever isto), e de a vida que eu tenho hoje ser de certo modo a sua consequência, a verdade é que não é mais consequência deles do que de todos os outros dias, os que vieram antes desses e os que já passaram depois deles. E consequência até dos que ainda vêem aí, alguns deles tão cheios de promessas.
caro diario