Jul 12, 2006 17:13
Estou aqui sentado na cadeira onde passo cerca de metade das horas que dispenso à minha vida profissional, recostado para trás como se estivesse de férias. Não, não me apetece ler blogues nem escrever merda nenhuma. Sim, tenho uma gota de suor a escorrer-me pela face; sim, sinto-me um bocado na merda; sim, descobri agora que vesti uma t-shirt que tem mais buracos do que tecido; sim, o Fernando tinha razão: que é um prazer não cumprir um dever, que o Sol doira sem literatura, que ler é maçada e estudar é nada.
Estou aqui sentado nesta cadeira e lembro-me que já subi ao segundo andar, pela zona exterior dum edifício, para falar com uma mulher que nunca me quis; já roubei chocolates em supermercados e, uma vez, fui apanhado; já passei noites debaixo da janela duma mulher a quem chamava chocolate e com quem nunca cheguei a falar; já me apaixonei por uma prostituta oriental e escrevi-lhe cartas de amor; já fugi para Espanha com uma pessoa a quem prometi amor eterno e depois não passei da Guarda (no dia seguinte já não estávamos juntos); já disse adeus a uma janela sem ninguém durante dois anos seguidos, todas as noites; já dei as mãos, numa filinha do São João do Porto, a uma pessoa de quem não me descolei mais o resto da noite, o resto da madrugada, o resto dia seguinte; já fingi ser vendedor de seguros para tocar à campainha duma casa e poder ver alguém que amava (não vi, apenas o pai); já passei quinze anos com alguém que me prometeu amor eterno e depois não passou daí (no dia seguinte já não estávamos juntos); já deixei em Praga uma mulher russa a chorar por mim, a quem prometi regressar no ano seguinte e não regressei (eu só chorei com o comboio em andamento); já tive uma filha com quem agora corro na praia à procura de algas para fazer bolos na areia; já adormeci numa tenda de campismo que não era minha e, só no dia seguinte, percebi que tinha dormido ao lado duma mulher desconhecida: Já, já, já...
Que importa agora um dia? Isto não, não é literatura. Que se foda, o Fernando tinha razão.