enquanto tomo um café

Jul 14, 2005 13:58

Vem um café.

Há borboletas brancas na negrura dos muros, batendo levianamente as asas como se esperassem a morte que não vem. Terá perdido o autocarro? Ela não vem, e a tua ausência palpebra-me o calor da tarde em delicados suores frios, que se estendem pelo corpo como um lençol em queda lenta sobre a vontade de dormir. Logo à noite vou insistir, e vou esperar por ti de novo num bar qualquer com muitas mesas e poucos empregados. Quero ver as chávenas de café a arrefecerem enquanto esperam que alguém as leve, depois de sangradas. Depois de bebidas, aliás. Só isso, que assim percebo que os outros também existem.

Engulo o café.

Os outros existem? E se não? Se não a tua pele é só a sombra duma árvore, onde me deitaria depois de esquadrinhado um deserto tão árido quanto a cidade mais populosa do mundo. Sem ti é uma retrete, a cidade mais populosa do mundo. E diarreica, enquanto os autocarros vão passando nas artérias, como sangue doente, contigo eternamente lá dentro. Estou tão farto dos outros que se acham felizes, e que me acham também: mormons bibelot aos pares, testemunhas dum gajo qualquer que não gosta de transfusões de sangue aos pares, vendedores de pirilampos mágicos aos pares, os vendedores e os pirilampos. Se eu fosse pirilampo ficava fodido com estes gajos.

Levanto-me, deixo as moedas em cima da mesa, e vou embora.
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