Passado

Oct 02, 2006 23:45

Hoje acordei e descobri-me diferente. Depois, reflectindo, descobri que foi o meu olhar sobre mim que mudou. De ontem para hoje, mudou. Descobri que não tenho passado. Que já não sou quem fui. Descobri que me ausentei por tempo demais, e não foi só do mundo exterior. Ausentei-me tempo de mais de mim mesma. Sei o que motivou esta súbita descoberta, mas não o entendo. Vou tentar voltar atrás no tempo, por momentos.

Há oito anos atrás eu acreditava em deuses e em fadas. É um facto histórico na minha vida. Não pode ser posto em causa, nem é necessário eu lembrar-me do que significavam deuses e fadas. Há oito anos atrás eu acreditava. Há oito anos atrás pedi á minha mãe que me deixasse ler "As Brumas de Avalon". Ela não deixou. "há livros que são para gente crescida", disse. Um ano depois, li uma trilogia de Stephen Lawhead sobre a Atlântida e sobre as lendas Arturianas. Tinha 11 anos. Ainda hoje me pergunto como foi possível faze-lo. Dada a evidencia, tiveram de me deixar ler as brumas de Avalon, embora tal já não fosse necessário. Os deuses atlantes de Lawhead já me tinham dado a volta a cabeça. Depois continuei, procurando símbolos, mensagens, conhecimento. Pedindo-o aos deuses. Não interessa o que aconteceu depois. Interessa que esta menina... Não sou eu.
Este já não é o meu passado. Algures no caminho, eu deixei cair o passado, e, como um fio de contas quebrado, as bolinhas pequenas e brilhantes perderam-se nas fendas do caminho. Tudo o que aconteceu depois já não me pertence. É apensas uma tentativa de reestruturar uma vida, com uma dezena apenas de todas as contas do rosário. Tudo o que aprendi desapareceu. Tudo o que fazia sentido, tudo o que era sentido... Desapareceu.
E hoje de manha, ao olhar para o passado, descobri-me com uma alma esfiapada nos braços, como um vestido que não é meu, muito antigo, semi desfeito pelo tempo e pelas lágrimas. E perguntei-me: o que faço eu com esta alma, agora?

Em tempos, eu troquei a fé pelo medo. E fiquei feliz por isso. Mas a fé protege-nos. Se o meu rosário não fosse herege, eu hoje teria as contas todas. Talvez o fio nunca tivesse, de facto, partido.
Mas os meus deuses antigos abandonaram-me, e, embora não me lembre, desconfio que os abandonei também. E assim fiquei, sem deuses nem fé, presa na minha própria armadilha, feita de razão e de regras. Escolhi sempre o caminho da loucura. Ficou-me isso de Lawhead, os sete anos de provação, em que a princesa renuncia ao seu papel de semi-deusa para arriscar a vida na arena, como sacerdotisa, todos os dias. Deixem-me contar os anos... estão quase a ser completos os sete. Sete anos de morte.

Fazemos magia em cada expressão de vontade. Eu quis ser como ela. Quis ser ela. Agora, quero que a provação acabe. Quero que estes sete anos sejam aqueles sete anos, e que o futuro seja meu.
Ela tinha um trono. Voltou para ocupar um lugar que era dela por direito, ainda que já não houvesse reino onde o ocupar. Talvez seja essa a explicação.
Do que me lembro da minha infância, ou não tem sentido nem encadeamento lógico, ou não é relevante em termos de objectivos ou sentido. E estes sete anos... Não fui eu. Talvez de facto partes de nós tenham de morrer para podermos continuar, como se fossemos outra pessoa. Desconfio que sou assombrada, ou que arrasto comigo, sem saber, um cadáver. Em alternativa desconfio que a minha Atlântida está a desaparecer, talvez tenha desaparecido já, e esta sensação de confusão seja o principio de um novo reinado.

De uma forma ou de outra, não interessa. Sinto que o que sabia já não é válido. Tenho que começar tudo do zero. Vou começar tudo do zero. E desta vez, não vou ser arrastada. Desta vez serei outra, e deixarei o cadáver para trás.

This time I'm gonna get it right. I Will.

dor, revelações, deuses

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