Jun 11, 2011 19:29
Pelo menos não era o costume do goiano fazê-lo.
Mas chegou um dia que não importava o quanto Tocantins pedisse, implorasse ou gritasse, nunca era suficiente para conseguir a atenção de Goiás. O outro estava sempre ocupado. Preocupado em se desenvolver, crescer, ser mais forte.
Talvez Goiás pensasse que se fosse forte ele poderia proteger melhor Tocantins. Talvez não. Talvez Goiás estivesse sendo egoísta.
Tocantins não tinha certeza.O problema é que Goiás era apenas o sul, o norte estava sempre esquecido. Tocantins era ignorado e não suportaria tal tratamento por muito tempo.
O relacionamento deles estava à beira de um precipício e Tocantins não ficaria ali para ver a queda. Ele partiria antes de tudo estragar, antes de só sobrar ruínas. Antes da gota d’água.
A gota d’água, porém, veio sem que nenhum dos dois pudesse impedir.
Tocantins não admitiria, é claro. Mas era óbvio que estava com ciúmes. Porque tudo bem, ele podia até desculpar Goiás por não ser muito atencioso, afinal, era o jeito do rapaz. O goiano provavelmente nem notava o próprio defeito apesar de que tocantinense bem já reclamou milhares de vezes. Goiás até ouvia e prometia melhorar, só que parecia esquecer tudo segundos depois.
O tocantinense já convivia com esse problema há algum tempo. Não que estivesse conformado, pelo contrário, mas como nem mesmo Luciano o ouvia, e suas tentativas de separação eram frustradas, era um inconveniente com o qual ele era obrigado a se acostumar.
Só que aquela criança apareceu na casa de Goiás destinado a ser o Distrito Federal e o goiano começou não só a ignorar completamente o tocantinense, mas a ser exageradamente atencioso com Brasília e-, bem, aquilo simplesmente estava muito além do limite do que Tocantins conseguiria suportar.
Então quando Goiás disse que traria Brasília para passar a noite - porque ele ficava preocupado em deixar a criança sozinha - Tocantins não hesitou em responder não. E foi bem enfático em dizer que se deixassem a pequena capital ao seu alcance, eles teriam que começar a construir outra, porque ele não responderia por seus atos.
Só que, grande novidade, Goiás não o ouviu e trouxe Brasília mesmo assim. Então Tocantins foi obrigado a jantar junto com o moleque - afinal não faria greve de fome por causa daquele ser insignificante. O tocantinense sentou e comeu sem dizer uma palavra sequer. E planejava sair assim também. Ir direto para seu quarto e deixar Goiás paparicando Brasília, só que quando se levantava o goiano segurou seu braço:
- Eu sei que você está com raiva de mim e que eu meio que mereço isso, mas não é culpa de Brasília - Tocantins permaneceu mudo - Ele é só uma criança.
Tocantins não respondeu. Goiás podia sentir a pulsação do tocantinense tornar-se mais rápida e o olhar raivoso sobre si, Goiás o soltou, mas o tocantinense não foi embora.
Não era justo, Tocantins pensava. Não era justo que Goiás pudesse dizer essas coisas. Não era justo que ele estivesse certo. Porque Brasília é só uma criança, certo? E Goiás é Goiás desde sempre. Simplesmente não é certo que Brasília pague pelo goiano. Ainda assim o tocantinense não conseguia evitar odiar a capital. Sentindo-se culpado, Tocantins respirou fundo e se sentou novamente, esperou que eles também terminassem a refeição e os acompanhou até a sala de estar.
Então eles estão sentados na sala. Sem dizer nada. Goiás sorri. Tocantins mantêm os braços cruzados e o semblante irritado, Brasília reclama. Tocantins resmunga. E, por fim, Goiás sugere a brincadeira.
A brincadeira que era só deles.
Brasília parece se animar com a idéia e rapidamente concorda, e Tocantins perde todo o remorso que sentia por odiar a criança. Ele só sente raiva. Raiva de ser o único a se machucar.
- Eu não quero jogar adedonha agora.
- Só um pouco, vamos. Eu deixo você escolher o tema dessa vez.
Brasília está sentado no colo de Goiás. Tocantins tem que respirar fundo. Para se acalmar e não explodir em cima do pequeno Distrito Federal.
- Coisas desagradáveis. - Tocantins responde em quase um rosnado - Esse vai ser o tema.
É Brasília que grita adedonha e quem conta as letras. E Tocantins não consegue deixar de achar a voz da pequena capital irritante.
- Letra “V”. Vermes!
- Vampiros. Eu com certeza não quero encontrar um.
Goiás finge morder o pescoço do Distrito Federal que ri. Por fim o goiano abraça a capital e afaga seus cabelos. Assim como ele costumava fazer com Tocantins, quando eram pequenos.
- Vocês. Eu odeio vocês. Ambos são insuportáveis.
A voz do tocantinense é seca. Brasília parece chocado e se encolhe no colo do goiano. Goiás não responde. Abraça Brasília e só. Tocantins se levanta e vai embora, sem perceber que lágrimas discretas escorrem no rosto do goiano.
Palavras não foram feitas para machucar, não é mesmo? Quer dizer, palavras são para conversar, entender... Amar. E ainda assim, palavras são insultos. Ainda assim, elas machucam. Ainda que supostamente deveriam aproximar, ainda assim, Tocantins está trancado no próprio quarto.
Deitado, o tocantinense pensa no quanto odeia o goiano. Ou melhor, o quanto ele deveria odiá-lo. Pensa no quanto Goiás não se importa. Pensa que agora o goiano deveria estar cantando alguma canção para Brasília dormir. Acariciando a pequena capital, esperando que ela pegasse no sono.
Mas Goiás está parado de frente a porta do tocantinense. Sem coragem para entrar. Ele apenas fica ali. Com a mão parada no ar, ainda decidindo se batia ou não batia.
Não bateu.
Os dois pensam na infância. Tocantins lembra do carinho que o mais velho tinha por ele quando crianças e compara com as atitudes que o goiano tem com Brasília agora. Para o tocantinense são iguais.E então ou ele sente estar sendo trocado ou nunca ter sido especial para o outro. E sente raiva, muita raiva. Mas não sabe bem de quem. Poderia ser até de si mesmo.
Já Goiás lembra que, mesmo quando criança, Tocantins se irritava e se assustava fácil. E que nas noites que o pequeno não conseguia dormir, o menor sempre o acordava. No final, eles dormiriam juntos. Nessa época, Goiás podia abraçá-lo sem ter medo de como Tocantins reagiria.
Eles pensam nas brincadeiras da infância. De jogar adedonha nos dias chuvosos e nas noites que Tocantins não dormia. E de continuar a jogar quando não são mais crianças e as intenções não são mais inocentes. Eles lembram de construir uma história com aquele jogo simples, meio bobo e que nem faz muito sentido, mas que carregava tantas memórias boas. Tantas lembranças que o fizeram pensar que a brincadeira era algo mais. Algo especial e só deles.
E agora eles se assustam ao pensar que o jogo nunca mais seria o mesmo. Agora há uma ferida entre eles, e essa ferida traz um novo significado para aquele jogo que continuará a não ter sentido, mas que agora não será mais simples, e o que antes era bom e divertido, não será nada além de discórdia.
Coisas Boas
Era de noite e Goiás já dormia profundamente só que Tocantins ainda não. No começo era porque estava agitado demais para dormir. Antes de ir para cama, Goiás cantara para o mais novo só que em vez de acalmá-lo e o preparado para uma boa noite de sono, isso só o tinha agitado.
O problema é que as horas passavam e Tocantins não conseguia dormir. Para piorar o vento batia na janela, movimentava os galhos das árvores criando sombras ameaçadoras que assustava o pequeno sentado na cama e enrolado no lençol.
Então quando o vento é um pouco mais forte e abre a janela do quarto, Tocantins grita e corre para o quarto do garoto mais velho, em busca de alguma proteção.
E é assim que Goiás acorda naquela noite. Com o peso de Tocantins sobre si, choramingando. O goiano se assusta e tenta se levantar, mas não consegue, pois Tocantins o abraça com força impedindo que se movimente.
- Tocantins! Que foi? - Goiás o ajeita na cama para poder alcançar a vela na cabeceira. - Assim você me assusta!
- Eu não consigo dormir - Tocantins ainda abraça Goiás, dificultando para este riscar o fósforo e colocar a vela acesa de volta na cabeceira.
- Tá com medo?
- Não! - Tocantins o aperta mais.
- Uai, tá sim. E pelo jeito se o medroso não dormir eu não durmo também! - Goiás faz cócegas em Tocantins obrigando-o a rir.
- Pára, Goiás! - o pequeno gargalha - Se eu não consigo dormir você também não pode! E eu não sou medroso!
- Certo, entendi. E o que a gente vai ficar fazendo então?
- ...
- Quer brincar?
- Tá escuro... Eu não quero ir lá fora.
- A gente não precisa correr. Vamos brincar só falando, vamos brincar de adedonha?
- Adedonha de que?
- As coisas que nos deixam felizes. Coisas boas para tirar esse seu medo e me deixar dormir.
- Eu não estou com medo! Mas aceito. - Goiás ri enquanto Tocantins senta de frente para si e grita adedonha.
Tocantins conta primeiro os próprios dedos, dizendo em voz alta cada letra, e depois segura a mão de Goiás, contando dedo a dedo qual seria a letra escolhida.
- “M”.
- Macarrão.
- Não vale, você só fala isso porque a gente comeu macarrão hoje à noite, Goiás.
- Mas estava gostoso e me deixou feliz, então vale.
- Se é assim, marmelada!
- E você só quer comer doce! - Goiás ri e afaga a cabeça do mais novo - Deixa eu ver... Mata. Adoro o cheiro das árvores e o som dos bichos...
- Minha vez, música!
- Você gosta de música?
- Sim! Principalmente quando é você que canta!
- Deita aqui no meu peito, pequeno. Vou cantar para você.
E com Tocantins apoiado em si, Goiás canta baixinho, perto do ouvido do outro, quase como um sussurro. Suave e acolhedor. Tocantins não demora a dormir, nem Goiás.
Dormiram abraçados enquanto a vela derretia na cabeceira ao lado.
Eles nunca mais brincaram de adedonha. Não explicitamente pelo menos. Porque eles continuam a responder um ao outro com palavras que aparentemente são certas, mas que na verdade não tem sentido.
Eles brigam, muito.
E isso se parece muito com a adedonha com a qual eles estavam acostumados, mesmo que seja completamente diferente. Porque assim como numa discussão, na brincadeira se responde com uma palavra que está dentro de um tema e então ali faz sentido, mas se pensar no outro participante, a resposta não é uma continuação do que ele disse. Ignora-se o que o outro fala e responde outra coisa qualquer. Adedonha é um jogo e assim como toda briga os participantes estão ali para encontrar um vencedor.
Mas numa discussão de verdade só existem perdedores. Afinal, nenhum deles está satisfeito.
A briga sempre se repete e sempre pelo mesmo motivo: Tocantins quer ir embora, mas Goiás não o deixa - ele tem medo de perdê-lo. Mas agora o goiano começa a pensar que, talvez ele esteja lutando demais. Que talvez fosse melhor que o tocantinense se vá. Mas, de novo, ele tem medo de perdê-lo.
E então ele não sabe o que fazer. O goiano se pergunta porque não atende o pedido do tocantinense. Goiás sabe. Sabe que Tocantins está certo. Sabe que está sendo egoísta. Sabe que o tocantinense está sendo razoável. Ele só quer que sua região também receba atenção e que se Goiás não pode - se Goiás não quer - dar o que ele precisa, que o deixe cuidar de si mesmo.
Porém, novamente, tinha medo de perdê-lo.
Então eles estão ali, novamente. É madrugada e o dia logo vai nascer. Apenas há pouco tempo Tocantins conseguiu dormir, cansado e frustrado depois de mais uma tentativa em vã de se separar. Goiás, porém não conseguiu pegar no sono e entra no quarto do tocantinense escondido.
Goiás se aproxima cuidadoso, para não acordar o outro. Os olhos de Tocantins estão inchados e o travesseiro molhado. Ele sofre, Goiás entende que é ele que causa essa dor e pensa que em deixar Tocantins partir. Ele deve isso ao tocantinense.
Sim, ele estará preparado da próxima vez, deixará Tocantins ir. Goiás quer apenas um pouco mais de tempo, porque ainda tem medo. Mas o tempo nunca era o suficiente.
Mas ele estará pronto. Ele não vai mais impedir a separação. Não mais. Ele vai implorar ao mundo que lhe dê mais tempo. O máximo que ele puder ter. E aí sim, ele não terá mais medo.
Ele terá perdido Tocantins.
Goiás segura a mão do tocantinense, acariciando seus dedos. Ele se aproxima. O rosto do goiano está a poucos centímetros do outro e Goiás é capaz de sentir a respiração pesada e quente do tocantinense sobre si. Provavelmente o outro está tendo pesadelos - por culpa dele.
Goiás fica assim, parado, prendendo a respiração. Incapaz de se mover.
Era tudo tão mais fácil quando eram mais novos. Não mais crianças, mas ainda novos e podiam se divertir jogando a verdadeira adedonha.
Mas a infância não volta e amanhã eles continuarão a jogar a mesma adedonha distorcida. Aquele jogo que não é mais especial, que é uma mesma briga que sempre se repete e serve apenas para machucar.
E como Goiás gostaria de voltar ao tempo de infância para refazer todos os seus passos e garantir que Tocantins sempre estivesse ao seu lado.
Cidade, Estado, País
Era uma tarde chuvosa, Goiás e Tocantins estavam sentados na sala. Um de frente para o outro. Não havia nada para fazer, já havia algum tempo que jogavam adedonha e procuravam outro tema para continuar a brincadeira.
- Cidade, Estado ou País. Esse tema a gente nunca usou.
- Claro, Goiás. Não tem graça. Você vai dizer todas as nossas cidades ao sul, eu vou dizer todas as do norte. E isso só aqui, porque tem todo o resto do pessoal. Simplesmente não tem graça.
- É só a gente colocar alguma imposição.
- Qual?
- Tem que ser um lugar que a gente goste. Assim eu fico sabendo se você tem alguma queda por algum dos outros.
- Eu não gosto de nenhum deles. Você sabe.
- Só quero confirmar.
- Letra “G”. Você trapaceou nessa, Goiás. Estou vendo o que você quer confirmar.
- Juro que não foi intencional.
- Você sabe minha resposta.
- Diga em voz alta, pequeno.
- Mas eu não preciso falar para você saber.
- Uai, é a regra. Você precisa falar.
- É obvio que é você. Goiás. Eu gosto de você. - Tocantins ri - Não precisava nem trapacear para saber.
E olhando para o rosto sorridente de seu pequeno, o goiano sente-se extremamente feliz e satisfeito. E instantaneamente decide que quando eles resolvessem trocar a letra trapacearia de novo. Goiás teria certeza de fazer com que a próxima letra fosse “T”, apenas para poder responder Tocantins.
5 de outubro de 1988. Ele deveria estar comemorando não é? Afinal, todos estavam. A Constituição Federal finalmente ali, diante de todos. Mas Goiás não estava feliz. Porque aquela Constituição significava que Tocantins estava oficialmente emancipado.
Significava que Tocantins estava indo embora. Goiás sabia que este dia chegaria, ele o provocara, não é mesmo? Porque não importa a desculpa que o goiano use, ele não cuidou do tocantinense como deveria. Ele merecia, então.
Só que Goiás também estava partindo. A palavra, porém, tinha diferente significado para os dois.
Para Tocantins era a sua independência.
Para Goiás era se quebrar em pedaços.
E aquela palavra resumia muito bem o que Goiás sentia estar acontecendo com ele. Partir. E assim como seu território que nunca voltaria a ser um só, Goiás sentia que não poderia mais juntar os pedaços quebrados de si.
Raiva, remorso, culpa, tristeza. Todo aqueles sentimentos misturados dariam uma ótima música sertaneja. Ironicamente o violão repousava no colo do goiano sem que este tocasse nota alguma. E perdido nos próprios pensamentos não percebeu Tocantins se aproximar.
- Amanhã eu estou indo embora. - Goiás não o ouviu e Tocantins teve que chamá-lo várias vezes até que o outro o ouvisse.
- Ah, oi. Você finalmente conseguiu. - Goiás o olhou assustado antes de sorrir, mas sua voz era mais fria do que pretendia - Parabéns.
-Você sabe que eu não poderia ficar aqui para sempre.
- Eu não me importaria.
- Mas eu me importo.
Goiás continuou a forçar o sorriso. Ele não queria brigar. Pelo menos não no final. Eles ainda podiam ter uma ultima noite agradável, por isso Goiás fez o convite.
- Vamos beber algo. É seu ultimo dia aqui - Goiás se levantou, encostando o violão na parede.
- Não precisa fingir que quer comemorar comigo, Goiás. - a voz do tocantinense era triste - Sei que você não está feliz.
- Não estou fingindo - Tocantins ergueu uma sobrancelha, descrente. - Vou me sentir triste sem você por perto, não estou comemorando muito menos tentando compensar tudo que eu fiz, mas acho que a gente pode ter uma despedida.
- Uma despedida, é?- Tocantins sorria - Parece bom. Acho que tudo bem.
- Então me ajuda a pegar as cervejas, uai - Goiás aproximou-se e afagou os cabelos de Tocantins, da mesma forma que fazia quando ainda eram pequenos.
- Estar bêbado é como jogar adedonha. - Como Tocantins pestanejava em responder, Goiás continuou - Quando você está bêbado, você diz um monte de coisa sem nexo algum.
E esvaziou outra lata de cerveja. Já havia um monte delas espalhadas pelo chão da sala, Tocantins resmungou algo sobre Goiás não começar a filosofia de boteco porque aquilo não fazia sentido nenhum e abriu outra gelada. Goiás continuou seu pensamento mesmo assim:
- É que nem adedonha, porque não faz sentido quando você diz pavão o outro te responder piolho. - Goiás amassou a lata que bebia, jogando-a para trás - Mesma coisa quando você está bêbado. Alguém te diz para você parar de beber e você canta a mesma música pela milionésima vez.
Tocantins não entendia onde Goiás queria chegar e pensou que o outro está muito bêbado então continuou a ignorar a filosofia do goiano. O tocantinense fechou os olhos e comentou mais para si mesmo do que para Goiás antes de tomar mais um gole de cerveja:
- Era legal quando a gente brincava de adedonha.
- Era sim, foi com essa brincadeira que roubei o seu primeiro beijo.
Tocantins mal teve tempo de abrir os olhos antes de Goiás simplesmente lhe agarrar. O beijo foi tão inesperado que o tocantinense quase se engasgou tentando engolir a cerveja que ainda estava na boca.Os lábios do goiano eram firmes, provocativos, o beijo se tornou mais intenso e-
Tocantins empurrou Goiás.
- Você está querendo me matar? - Tocantins recuperava o fôlego - Quase que eu morro engasgado!
Imediatamente Tocantins se arrependeu do que disse, afinal, Goiás estava bêbado e volúvel. O goiano encarava o tocantinense magoado e parecia preste a começar a chorar. E o tocantinense detesta bêbados depressivos. Sem muita solução, então, Tocantins se aproximou e beijou o goiano.
Pode ter sido efeito da bebida. Ou não. O fato é que nenhum dos dois cambaleou no caminho até o quarto.
Sentimentos
Fazia algum tempo que Goiás queria algo do Tocantins, mas não sabia como pedir. Foi daí então que teve a idéia.
Era uma idéia boba. O goiano queria que o pedido tivesse algum impacto e já que eles brincavam de adedonha o tempo todo na hora pareceu uma boa. Menos idiota do que chamar Tocantins na cara dura e perguntar “Ei, eu gosto de você, quer ficar comigo?”.
Só que agora a sua brilhante idéia parece ter sido a pior possível porque o tocantinense o olha desconfiado por querer jogar no meio da tarde, do nada sendo que eles tinham milhares de coisas para trabalhar além de estranhar o tema que Goiás escolheu.
- Não é só porque o tema é estranho ou porque é uma hora muito imprópria para brincadeiras. Eu quero saber também porque é sempre você que escolhe o tema. Você só escolhe temas estranhos.
- Não seja chato, na próxima você escolhe.
- Não é chatice. É a pura verdade.
- Você está com vergonha. Ah, que gracinha.
- Não estou. - Tocantins respirou fundo - O tema é sentimentos então?
- As coisas que a gente sente ou vê no outro. - Cada um mostrou apenas um dedo para o outro.
-Vai ser só uma vez, está bem? - Goiás apenas balança a cabeça concordando com o que Tocantins diz - Letra “B”. Ahn, bondade.
- Beleza
- Bravura
- Beijo
- Goiás... Beijo não é sentimento.
- Claro que é. Eu sinto que quero te beijar agora mesmo.
Ruborizado, Tocantins está inquieto.Cruza e descruza os braços, balança a cabeça em várias direções, fecha e abre os olhos tentando encarar o goiano que o fita preocupado, pensando se seria rejeitado. Mas Goiás não desvia os olhos e Tocantins, por fim, relaxa e sorri.
- Bobagem. Você é um bobo. Beijo não é sentimento. É uma ação.
Tocantins dá o primeiro passo e segura o rosto do goiano. Goiás suspira aliviado, e então, abraça o mais novo, sentindo na mão o cabelo sedoso do Tocantins. Juntos, fecham os olhos, aproximam os rostos, sorrindo nervosos.
Tocantins acorda com a leve sensação de ter feito algo muito errado na noite passada. O que é confirmado quando abre os olhos e percebe estar no quarto do goiano com os braços deste o envolvendo.
O tocantinense se desvencilha do abraço, acordando o outro sem perceber. Ele se levanta e começa a se vestir. Então Goiás também se levanta e procura as próprias roupas.
- Sabe, você não precisa ter tanta pressa. - Goiás fala enquanto se veste, assustando o tocantinense.
- Desculpe, eu tenho que ir. - a voz do tocantinense é triste - Eu não queria que, bem, nos despedíssemos assim, mas-
- Não vá. - Goiás o abraça por trás
- Eu... Eu preciso.
- Você pode ficar aqui.
- Você não entende, Goiás. Você...
- Apenas mais um pouco. - Goiás o solta - Pelo menos deixa eu fazer o café da manhã para você.
- Eu... Eu tenho mesmo que ir - Tocantins respira fundo - Mas ainda tenho tempo para um jogo.
- Eu não vou perguntar porque você tem tempo para jogar, mas não para comer - Goiás sorri - Eu já fico satisfeito. Que jogo?
- Adedonha. - Tocantins senta na cama, de frente para o goiano - O tema sou eu dessa vez, Goiás.
- Sobre você? Por que esse tema?
- Apenas, eu apenas preciso... Eu preciso saber. Por favor.
- Uai, tudo bem. - Goiás move a mão para jogar um número qualquer, mas Tocantins não se mexe - Não vamos jogar um número?
- Não precisa. - Tocantins balança a cabeça lentamente em sinal de negativo - Com a letra “I”. O que você pensa?
Goiás respira fundo antes de responder, indagando-se onde tudo aquilo os levaria:
- Insubstituível.
Incapaz de encarar o semblante sério do goiano, Tocantins abaixa a cabeça, abraçando os joelhos. Aquela não era a resposta que esperava. O tocantinense, então, não sabe se está aliviado ou decepcionado. Tudo que consegue fazer é um barulho histérico, algo entre uma risada e um choro. Goiás se assusta com os soluços e se aproxima:
- Tocantins? Tudo bem? - Goiás tenta abraçar o tocantinense, mas esse afasta seu braço - Não era essa a resposta que você esperava, não é? Afinal, O que você queria que eu respondesse?
Invisível. Inexistente. Algo que não existe de verdade. Incômodo. Um peso que Goiás não queria ter que carregar.
Mas Tocantins não responde e Goiás, então, insiste:
- Você sabe que eu nunca quis que você fosse embora. - a voz do goiano é amarga e sua expressão mostra que está magoado - O que você esperava que eu respondesse?
- Eu não sei! Como você quer que eu saiba? - Tocantins levanta a cabeça - Você nunca me ouve, nunca me dá atenção! Eu tenho que adivinhar que na verdade você se importa?
- Você deveria saber! Eu nunca quis te ignorar!- Goiás fecha os olhos em uma expressão dolorida - Mas agora você vai entender, vai entender que cuidar de si mesmo não é tão fácil!
- Sou eu que tenho que gritar, Goiás. Não você. - Tocantins se levanta e encara o goiano - E eu vou embora você querendo ou não.
- Você me odeia tanto assim?
- Eu ir embora não significa que não vamos nos encontrar mais.
- Se você for embora, não precisa voltar. Eu não quero te ver nunca mais!
- Se quiser me ver, você sabe onde me encontrar.
E dado o assunto como encerrado Tocantins foi embora. Goiás não sabe quando tempo ficou parado ali no quarto. Ou quando foi que cai sentado no chão. Sabe que sentia um grande incomodo na garganta e que uma hora decidiu procurar alguma bebida. Só que não havia sobrado nenhuma lata da noite passada e então não havia nada para aplacar aquela dor que arranhava a garganta.
Noite passada ele havia saído para comemorar. Todos os anos Tocantins, Roraima e Amapá faziam isso. Saiam, bebiam e comemoravam a constituição de 1988 que finalmente os reconhecia como Estados. E era sempre muito divertido. Só que dessa vez parecia que Tocantins havia exagerado.
Afinal, ele não se lembrava como havia chegado em casa - muito menos no sofá, estava com uma dor de cabeça dos diabos e o som de passos pesados contra o piso não ajudava em nada. De forma que Tocantins fez um esforço sublime para se levantar e mandar quem quer que tenha invadido sua casa que fizesse o favor de ficar quieto.
E a pessoa que encontrou não podia ser menos inesperada. Porque desde que se separaram, Tocantins nunca mais encontrou Goiás. Então o tocantinense não conseguiu falar nada, e talvez estivesse com a boca um pouco aberta. Goiás estava parado, sorrindo na sua frente. E aquilo era uma miragem que o tocantinense não tiraria os olhos nunca mais se não fosse a náusea repentina que sentiu que quase o fez vomitar no chão.
- Acho que você precisa disso - Goiás lhe ofereceu um copo d’água e remédio - Eu fui explorando sua casa até achar onde você guarda essas coisas, espero que não se importe.
- O que você está fazendo aqui? - Tocantins engoliu o remédio e agradeceu baixinho.
- Encontrei Roraima indo para Brasília.Vem, é melhor você ficar deitado. Num lugar escuro, de preferência. Onde fica seu quarto? - Tocantins indicou uma porta ao fim do corredor que ligava a cozinha a parte intima da casa, Goiás o segurou pelo braço, apoiando-o enquanto iam para o quarto - Então, ela queria discutir alguma coisa sobre a parte do orçamento federal destinado para ela na capital, e enfim. Roraima me contou que vocês saíram ontem, que você exagerou muito e que deu muito trabalho te carregar, tiveram de te largar no sofá. Aí pensei que você ia acordar muito mal e decidi vir cuidar de você.
Mas se veio por uma bobagem dessas, porque não veio antes então? Tocantins disse, ou pelo menos pensou que disse. Porque Goiás não respondeu. Talvez ele tenha dito muito baixo e o goiano não tenha ouvido. Então, o tocantinense pensou em repetir, mas faltou coragem de forma que eles se mantiveram em silêncio até chegar no quarto, Tocantins se deitar e Goiás se sentar na beirada da cama.
- Eu precisava de uma desculpa - Goiás evitava olhar para o tocantinense - Eu tinha medo de você me odiar, aí não tinha coragem de vir até aqui.
- Eu nunca te odiei, Goiás - Tocantins segurou a mão do goiano - Pelo menos não de verdade.
Goiás encarou Tocantins, surpreso. Parecia lhe faltar palavras também e por isso ele apenas deixou que os dedos de Tocantins envolvessem os seus, em um aperto de mão apertado. Tocantins sorria enquanto Goiás acariciava sua cabeça com a mão livre.
- Tocantins, quer jogar adedonha?
- Agora? Estou com dor de cabeça e-
- Só uma vez, por favor?
- Só uma vez então. - Tocantins respirou fundo e Goiás sorriu ao reparar na velha mania que o tocantinense tinha sempre que era convencido a fazer algo que não estava muito disposto a fazer - Qual o tema dessa vez?
- Sem tema, a primeira coisa que você pensar.
- Não invente regras estranhas, Goiás. - mas o goiano já jogara os números e Tocantins o acompanhou então - Ei, não vale aumentar os dedos só para sair uma letra mais fácil para você.
- “M”, “N”, “O”, “P”
- Ei, você está me ouvindo, Goiás?
- Perdão. - Tocantins não responde - Me perdoa, Tocantins. Eu fui um imbecil com você, eu nunca quis te ignorar ou dizer que nunca mais queria te ver. Eu não sei o que eu posso fazer para mostrar o tanto que estou arrependido. Na verdade, eu... Eu só queria você perto de mim, era só isso. Eu não pensava em como você se sentia com isso. Por favor, me perdoa.
Tocantins pensou se devia falar que está tudo bem, dizer que perdoava, que esperava pelo dia em que Goiás finalmente olharia para ele, que ele o amava.
Mas talvez as palavras não fossem tão importantes assim.Porque afinal, tudo era como um jogo de adedonha, nada fazia sentido. E talvez já houvesse passado da hora deles pararem com aquela brincadeira de criança. Tocantins então sorriu e beijou a testa do goiano. Porque talvez certas coisas podem ser ditas sem precisar de palavras.
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