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Millôr Fernandes Falar em galinha é falar em ovo. Como Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) acho que não há comida que dois ovos fritos em cima não melhorem. Apesar disso, a galinha, produtora do mais nobre tipo de ovo (o da codorna serve apenas pra aumentar o preço do cuvér), foi relegada a segundo plano na escala zoológica e também é injustamente cotada no consumo culinário.
Enquanto o boi, enorme, tem carne vendida a peso de ouro, a da galinha, bem menor, é posta no mercado a preço vil, vira até comida de pobre - embora só quando um dos dois está doente, como já está lá escrito no Código de Hamurabi (*).
Tratada pela granfinada quase com o mesmo desprezo com que se trata ratos (requinte culinário no oriente e prato-do-dia no interior do nordeste), a galinha até hoje não conseguiu direito de voto, de propriedade, de liberdade de expressão - o galo faz esporro desde que acorda, à galinha são permitidos apenas cacarejos para avisar que seu produto está à disposição dos ovíparos. No entanto já foi considerada semideusa pelos antigos egípcios que descobriram , e nos transmitiram, a maneira de preservar-lhe e fritar-lhe os ovos.
Fenômeno fascinante com respeito à galinha é o fato de continuar andando, e até mesmo pondo ovos, depois que lhe cortam a cabeça. O Dr. Tuckman, especialista a quem consultei, me esclareceu que o fenômeno, também divulgado com precário marketing, é verdadeiro, e se dá por motivo fisiológico explicável - o sistema nervoso galináceo é altamente desenvolvido, sofisticado mesmo, seus reflexos periféricos complexíssimos.
Mas seu cérebro, como o do grande escritor Sir Ney (todos vocês já ouviram falar em cérebro de galinha), funciona apenas na base do on-off, negativo-positivo, liga-desliga. Resumindo; a galinha morre assim que decapitada, mas leva muito tempo até que seu cérebro receba comunicação do fato. Como tanta gente.
MORAL: SE EU FOSSE GALINHA NÃO BOTAVA UM OVO POR MENOS DE TRÊS MIL DÓLARES
(*) Curiosamente os egípcios não conseguiram inventar a batata frita, sem a qual a galinha perde muito do seu interesse gustativo.