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mica_chan
Título: Giselle - Olhos de mãe
História Original/Vampiros
GISELLE - OLHOS DE MÃE
By Mica-chan
Maria Eduarda não sabia onde havia errado com o filho, ou mesmo se errara, ela já não sabia mais nada, essa era a verdade.
Aparentemente tudo parecia bem. Vinícius estava com 22 anos, terminara a faculdade de Direito, fora efetivado em um grande escritório na cidade e mostrava-se satisfeito. Toda vez que vinha visitar os pais, ele parecia normal, saudável - precisando de um pouquinho de sol, talvez - compenetrado como sempre e adepto de hábitos um tanto quanto estranhos como a grande maioria dos jovens de sua idade. Mesmo assim, Maria Eduarda sentia que havia algo errado, mas até então não havia conseguido distinguir exatamente o que.
A namorada de Vinícius, para todos os efeitos era a mulher perfeita. Ou pelo menos era o que o rapaz dizia. A última vez que Maria Eduarda vira a garota o filho ainda tinha 16 anos. Giselle era uma moça simpática, mas algo nela a fazia diferente de todas outras jovens de sua idade. Como de costume, ela não saberia dizer o que era diferente na jovem, mas mãe tem esse tipo de instinto que raramente se engana.
Lembrava-se ainda como conhecera a garota. O filho, então com 15 anos, apareceu na cozinha com o jeito taciturno de sempre e, meio sem jeito, anunciou que estava saindo com uma menina. Segundo ele, Giselle era maravilhosa, delicada, inteligente, perspicaz, de iniciativa, agradavelmente agressiva e o fazia sentir-se a pessoa mais especial do mundo. Grandes qualidades em uma mulher, mas um rapaz nessa idade costuma estar mais interessado em como a garota é fisicamente do que em seu intelecto e personalidade. Vinícius não era diferente da maioria, mas era exigente demais para se contentar apenas com a casca. Maria Eduarda conhecia o filho e sabia que a garota deveria ter realmente algo de especial para atraí-lo dessa forma. Até aquele dia ele mantivera sua atenção quase que exclusiva aos estudos ou aos amigos. A maioria das meninas que conhecia não alcançavam o nível de exigência do rapaz.
Foi com surpresa que viu Vinícius entrar na casa com Giselle cerca de uma semana depois. Era uma menina pequena, realmente delicada e muito branca como uma boneca de porcelana. Os cabelos eram incrivelmente longos e louros e o rosto era um misto de inocência e sagacidade. Não daria mais que 11 anos para a criança. De longe o tipo curvilíneo que os adolescentes parecem gostar tanto.
Entretanto, quando a pequena sorriu, Maria Eduarda sentiu o sangue gelar. Havia maldade naquele simples gesto, uma maldade que parecia vir do âmago da criaturinha. Imediatamente ela olhou para o filho e o viu observar a garota com seriedade. Imaginou que ele a estaria advertindo de algo, pois imediatamente a postura de Giselle mudou. Um calor que não saberia explicar de onde vinha aqueceu o sorriso até então pérfido e os olhos incrivelmente grandes demonstraram uma certa simpatia e curiosidade.
A menina estendeu a mão em um cumprimento e Maria Eduarda a tomou na sua. A pele era mais gelada do que o normal, o que dava uma sensação ainda mais desagradável, mas sorriu em resposta e a convidou a sentar. Os movimentos de Giselle eram fluidos, como um predador. Uma coisa a garota certamente tinha: atitude.
A conversa foi mais agradável do que ela pensou que seria. A menina realmente era inteligente e sabia ser divertida, apesar do semblante grave que ostentava durante a maior parte do tempo. Se não soubesse melhor, diria estar diante de um adulto e não uma adolescente recém saída da infância. O filho a olhava quase com adoração e ela parecia divertir-se com essa situação.
Depois do choque inicial, as coisas ficaram mais agradáveis. A pequena passou a visitar a casa cada vez com maior freqüência e Maria Eduarda se convenceu de que o relacionamento, apesar da pouca idade do casal, era sério. Ao lado da menina, Vinícius amadureceu, passou a encarar a vida de outra forma, e adquiriu uma certa frieza que não fazia parte da personalidade do garoto. Por outro lado, Giselle aprendeu a sorrir com mais freqüência e a relaxar em meio à família do namorado.
Apesar de sempre visitá-los à noite, Giselle nunca jantou com eles. As desculpas eram as mais variadas, até que Vinícius lhe explicou um dia que a garota precisava fazer uma dieta especial, pois tinha intolerância a vários tipos de alimentos. Por uma ou duas vezes a menina tentou agradar à mãe do namorado e ficou para a janta, mas os resultados foram catastróficos. Pouco menos de trinta minutos depois Giselle sentiu os efeitos do alimento e expulsou tudo o que havia ingerido. Maria Eduarda lembrava-se até hoje da expressão aterradora que vira no rosto da menina, o olhar quase irreconhecível e, se não tivesse sido imediatamente afastada por Vinícius, sabe mais o que teria vivenciado.
Giselle freqüentou a casa por cerca de um ano, e por mais que Maria Eduarda tenha se afeiçoada à garota, nunca conseguiu compreendê-la plenamente. Aquele toque de desconfiança que sentira no primeiro momento sempre permaneceu como uma sombra em sua aceitação da namorada do filho.
Cerca de um ano e meio depois que a conhecera, Maria Eduarda vira a pequena Giselle pela última vez. O último encontro foi tão estranho e aterrador, que ela jamais conseguiu apagá-lo da memória. Era como estar diante de alguém desprovido de sentimentos, alguém sem capacidade de dar ou receber vida. Mesmo que os lábios sorrissem, ele não chegava a alegrar o semblante. O que via era alguém implacável e frio como aço.
A menina abraçara Maria Eduarda e dissera adeus, explicando que não voltariam a se encontrar tão cedo. Maiores explicações ela nunca teve.
Vinícius continuou com sua rotina. Casa, escola, curso de música, idiomas, computação e outras coisas necessárias à juventude de hoje em dia, mas nunca trouxe Giselle para casa novamente. Para todos os efeitos, o namoro havia terminado, entretanto Maria Eduarda sabia que continuavam se encontrando, embora Vinícius jamais tenha tocado no nome da garota novamente. Inúmeras vezes ela e o marido tentaram conversar com o filho sobre o assunto, mas por mais que o filho os respeitasse e os amasse, recusava-se a comentar qualquer assunto que pudesse trazer o nome de Giselle à tona. Era como se a menina jamais tivesse existido para ele ou para aquela família.
Mesmo que Vinícius jamais tenha dado qualquer demonstração de ainda estar se encontrando com a pequena Giselle, a garota continuou a ser uma sombra para os seus pais nos anos que seguiram. Nada havia na conduta do garoto que o desabonasse e seus pais sabiam que ele era um jovem bastante normal, mas como toda mãe, Maria Eduarda tinha um sexto sentido no que diz respeito ao filho e sabia que algum dia o nome da garota ainda ressurgiria nos lábios do filho, e a idéia de vê-lo admitindo que ainda a encontrava assustava sua mãe quase tanto quanto o silêncio que Vinícius mantinha a respeito dela.
Aos dezoito anos Vinícius passou no vestibular e mudou de cidade, deixando definitivamente o ninho. Foi pouco mais de um ano depois que Maria Eduarda finalmente ouviu o filho mencionar Giselle novamente. A garota mudara-se para a mesma cidade que ele e fora morar no mesmo apartamento. O mundo dela e do marido ruiu naquele instante. Ambos sabiam que o relacionamento nunca havia de fato terminado o que não mudava em nada a situação. Sentiram-se traídos pelo filho, que escondera durante anos o envolvimento com a garota, sem jamais explicar os motivos.
A situação entre os três permaneceu complicada por quase um ano, mas o tempo como sempre acabou falando a favor de Vinícius e inusitadamente, de Giselle. Jamais voltaram a encontrá-la, mas alguns meses depois começaram a receber e-mails da moça. Segundo ela, já que não tinham a oportunidade de se encontrarem pessoalmente - apesar de nunca explicar o porquê dessa oportunidade não existir, nada os impedia de conversarem pela Internet ou telefone.
A resistência inicial foi cedendo espaço e Maria Eduarda percebeu que aos poucos foi sentindo um carinho profundo pela nora. A desconfiança ainda existia, ela jamais seria capaz de esquecer o olhar frio e selvagem da garota, ou mesmo o segredo absoluto que o próprio filho manteve desse envolvimento por um período tão longo, mas os anos acabaram demonstrando que mesmo que ela fosse contra e que tivesse todos os medos e razões do mundo, o relacionamento entre os jovens não terminaria assim tão fácil. O que não conseguia entender era o motivo da moça esconder-se com tamanho empenho. Visitara inúmeras vezes o apartamento dos dois, mas jamais encontrou a garota em casa e Vinícius sempre visitava os pais sozinho.
Quanto ao apartamento onde viviam, a personalidade taciturna da garota estava estampada em cada móvel da casa, assim como a paixão por coisas novas e exóticas. Vinícius também deixara sua marca, mas o local era predominantemente dela. A exceção eram as fotos. Enquanto imagens de Vinícius espalhavam-se pelos cômodos, não havia novas fotos de Giselle. Todas - já não eram muitas - mostravam a menina como quando a conhecera. Pequena e intrigante.
Vinícius morava em um belo apartamento, trabalhava em um ótimo escritório, vivia com a mulher que amava e que obviamente retribuía o sentimento, apesar de todas as excentricidades, e o tempo acabara firmando um relacionamento de carinho entre a sua família e a pequena namorada fugidia. Mesmo assim, Maria Eduarda acreditava que algo estava errado. Vinícius aparecia machucado com uma freqüência assustadora, apesar de sempre ter uma desculpa na ponta da língua, e aquela frieza que aprendera a associar com Giselle, parecia ter contaminado o filho. Não duvidava do caráter do rapaz que criara, mas sabia que algo em sua alma mudara. Era como se tivesse vivenciado tanta coisa, que as mazelas da vida tivessem perdido o impacto para ele. Criara um gosto estranho pelo inusitado, pelo macabro e ficara ainda mais fechado e quieto do que já era. E mesclava tudo isso com o jeito afetuoso e divertido que sempre tivera, o que formava uma combinação no mínimo inusitada.
Maria Eduarda olhou mais uma vez para o álbum de fotografias que tinha nas mãos e franziu o cenho sem tentar esconder a preocupação. A formatura do filho fora um dos acontecimentos mais bonitos que ela já presenciara, e, no entanto aquela única fotografia tirada de uma câmera digital e esquecida entre as inúmeras fotos devidamente produzidas no meio do álbum, fora suficiente para tirar a sua paz de espírito.
Alto e moreno de olhos de obsidiana, Vinícius havia crescido para ser um homem atraente, de feições marcantes e que chamava atenção por onde quer que passasse. E ao seu lado, capturada para todo o sempre por uma fotografia descuidada, estava a pequena Giselle, tão miúda e altiva quanto na primeira vez que a vira, o sorriso predatório e malévolo a coroar aquela face imutável apesar dos anos.
Como pôde não ter enxergado antes? - perguntou-se Maria Eduarda tarde demais.
*****
Início : 14/05/06
Término: 14/05/06 mas reescrito algumas vezes desde então.
Nota da autora: Se a história anterior foi chinfrim, não quero nem pensar em como classificar esta. Mesmo assim, eu gostei, por mais louco que isso possa parecer. Ridiculamente pequena, esta história serve a seu propósito: fazer-me conhecer a vida da Giselle e do Vinícius antes do período que se passará na história que eu talvez escreva. Porque, sinceramente, do jeito que as coisas vão indo, eu vou acabar somente com as pequenas histórias paralelas, nunca escrevendo a principal. Arf! Talvez por isso que eu tenha me agradado da idéia dessa história...porque ela me permite conhecer a Giselle e o Vinícius melhor, já que nem mesmo eu conheço quem são realmente esses dois.