May 23, 2005 15:12
tenho um casulo fino que desfia da língua, uma seda que envolve em película e acompanha movimentos subtis, a fechar em concha. dos dedos que se tocam quero falar-te no tremor, quilómetros de pele em chamas, fracções que ardem e desintegram cidade adiante. há vidas em que a hora dos fantasmas é o tempo todo, um assombro de fora para dentro a rasgar, as notas falsas estropiadas, as mãos, o corpo a deslizar pelo branco abaixo, uma parede até ao chão. entre o debaixo da pele e o em cima da cama tinhas a multiplicação, a multiplicidade e o sorrisinho atravessado, a apontar para o rebordo, o paralelo por limpar, o canto do teu lábio obsceno e acusatório. eu, de casulo enfiado pelos pés e mãos de respirar baixinho, equilibrava-me nos dedos frágeis por entre a tua floresta de braços - o teu coração no limite da selva e a minha bússola de te encontrar cuspida pelo desgaste boca fora, perdida no chão, misturada nos nomes, nos vazios, nas distâncias. falha a memória. seria escuro e eu teria medo.
a desinfecção revela-se um processo circular, metódico, suave. uma profilaxia previdente para o reanimar cíclico, o corpo que espera pela seda que endurece crosta, a crosta de tapar o pulsar como um respirar fundo a disparar do interior o imperativo de seguir, em contacto com o ar, em direcção ao plano inicial - um close up dos meus próprios olhos abertos. essa crosta que cai no momento da pele nova, da saliva quente que retira escamas e deseja para sempre os corredores de luz. nem toda a maleita submerge em imaginário sórdido, sem imaculado ou projectos de sol. somos de mãos de algodão, caleidoscópio focado e limpas de interiores destroços.
por detrás do teu corpo há uma esfinge, mil e uma perguntas de resposta proibida e distante, o passado mal enrolado num saco de plástico gasto, a pesar. nos dias do hoje encostas-te ao meu peito como os gatos, o deleite em movimentos esparsos e desenhados com a consciência a tocar para o intervalo do abandono, o delegar de continuidade num esgar do meu disponível imprevisível, a nossa dinâmica convexa a alastrar incêndios monte abaixo. entusiasma-te o simplificado das coisas e a euforia profunda que encontras no pinçar das camadas exteriores, as tuas recolhas em caixas mal fechadas, uma arrumação débil ainda. calço as luvas para a biopsia - interessa-me mais o interno e as observações ao chá, desconhecimentos educados para preservar o silêncio do espaço, os meus jogos de risco em memória, todos, inacessíveis e inúteis.
nunca te perguntei: a ponta da minha língua pica quando toca o ar, e a tua? vês os transparentes aí do teu lugar no tabuleiro? identificas o opaco e o translúcido, ouves o que fala contigo? flutuas, deixas-te levar?
eu sim.