::: big fish :::

Jan 19, 2005 23:48

contaste-me do mergulho no lago com um brilhozinho nos olhos, a cara enregelada à volta, o frio todo da antártida preso entre as palavras e o peso do teu corpo tenso. quase que te conheço dissimulado, agora, à beira da distância, mas isso nunca me importou. entre os dias a uma rotação abaixo do normal e a vertigem pequenina do teu semi-sorriso, o tempo foi passando sem que sequer me apercebesse distraída das saudades de casa, do tempo claro, da cidade a ferver.

o teu exercício-mergulho, numa demonstração clara de extremos e contradições, falou-me ao ouvido, respirou paisagem fora e acertou-me em ricochete à frente do espelho.

gostas de muito quente ou muito frio dizes, o desconforto como pretexto, e explicas-te na tua experiência militar: o lago gelado és tu. em ti nadam-se 15 metros até ao bloqueio do corpo e morre-se sem ajuda quando se tenta lutar. ultrapassas e desvias-te com um ondular esguio de nadador de competição e garantes que, se se demorar mais de 2 minutos e meio a sair de uma emergência aquática, então, é porque nunca se lá devia ter ido parar para começar. as coisas todas partidas em ti vão deitando ao chão o que se levanta, e as operações são cirúrgicas e anestésicas, uma rotina, nem má nem boa, só aparentemente existente.

intriga-me que tanta tenacidade não se acompanhe com os pulmões frontais e declarados. intriga-me, ou talvez não, a cara-coroa entre a cobardia e o desapego, em ultima instância um certificado de independência, ou de insegurança.

mas o que tu não sabes é que só morre no teu lago quem estiver tão perdido como tu, quem não puder ver reflexo nem souber sobre panorâmicas. os mapas que julgas que lês são indicações simples numa rotunda interior, tracejados pequenos que não vão dar a lado nenhum.

deste lado, para onde gritas a inquietude que não sabes ter, há mais que corvos. há sol e lagos que derretem e gelam e têm segredos. há o frenesim dos 365 dias em que o mundo dá uma volta e um quarto, há os anos bissextos, os níveis do mar e os pés na relva. cidades que pulsam para além das tuas localizações geográficas e pessoas com medo de não terem medo e mãos abertas.

nós vivemos à luz, somos curiosos, ridículos e românticos, não temos limites. respiramos fundo sem partir e sorrimos largo, de olhos franzinos. deste lado, onde não sabes chegar, acreditamos, e o gelo é sempre, como dizes, uma experiência absoluta, como o é o calor e os dias cinzentos.

mostraste-me o primeiro luar deste país e pediste escuro em troca, mas aqui deste lado há magma, e o magma não se apaga só com o medo da manhã.
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