::: it's because of our plans, man... our beautiful, ridiculous plans :::

Oct 12, 2004 12:48

o tiro no escuro e a luz rompe-se, torta, destroçada, a cuspir pó. éramos passos estendidos degrau atrás de degrau, uma escada de dedos e salivas estrilhaçadas no chão, a lei da gravidade pendente, o que ficou sem existir entre o um e o outro - falava sozinha: avisei-te do perigo, o banho a distorcer-me, tu eras longe e nada em mim revertia a imagem pura na retina. fecharam-me os tímpanos no primeiro dos últimos dias, o bisturi aceso a ver-te chegar -.

eram da relva, os pés, e expliquei-te do comum dos dias transformado, dos pequenos animais a rebentar do colo - as perseguições infantis, o trincar da fruta -. expliquei-te a impossibilidade de constância, o inconveniente e o aparato do meu inesperado. era em ti, de mim, os dedos translúcidos através da película como se tivessemos sido sempre - e fomos, contei-te, a comer chocolates, conhecia-te nos ossos um articulado familiar, há muito presente como uma ideia original, uma ideia de sempre, que tivemos mas nunca desabrochou da planta para fora. a nossa ideia comprada no tempo a quem a arrancou da confluência para os bancos de jardim, para as portas do metro. fomos como os desejos sem rosto, o ideal inominável, idolatrado e inconsistente -.

dos minutos divididos em marchas, aquisições e vómitos nunca nos falámos, mas respiravam-se as marés vivas e o bater do pano no paralelismo-universo-duplo - a concentração no expirar, o inspirar naturalmente, como se fosse. como se houvesse maneira -. oiço música dentro da cabeça desde que me lembro, sobretudo se ando na rua e me magoam as outras bolas de sabão; lavo-te a pele no regresso a casa, sem que notes, sem que te dispas ou te chame a atenção. somos dos que vivem secretamente interligados, desconectados, amplificados na garganta dos outros e a reter, a reter rigorosamente os esguichos, o gritos, a inocência - tocar-te só de luvas, sem o risco do contágio puro, sem que entres por mim adentro e me mates, imunodeficiente de abraços e ombros e pés e mãos e massa encefálica perfeitamente em condições -.

as salas flutuam escuras - "escuras ou de olhos fechados", foste sempre quase subtil nos teus reparos - e de paredes amplas, retrácteis. fiz um acordo com quem me abriu o pára-quedas para um chão almofadado no piscar de olhos, no fechar da porta, e leio o outro lado do vidro daqui, um silêncio de gato e mãos soltas em lado nenhum. lembro-me sempre: nas alturas em que corremos contrário com contrário, os passeios esticados longe e os buracos abertos, há aquela música, os olhos nos olhos, o vergão no coração.
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