Escutei alguém chamar o meu filho disso hoje. Eu não ignorei. Eu perguntei. Eu encarei. “O que você disse?” O garoto murmurou, “nada”. Nós andamos até o carro e meu filho estava quieto. Ele é um garoto que carrega seus problemas sozinho. Quando ele divide é uma benção. Tem um significado maior do que é.
Eu olhei pra ele, meu lindo garoto de nove anos que cresceu na minha barriga enquanto eu passava horas intermináveis trabalhando com homens e mulheres que estavam morrendo de AIDS em Los Angeles. O bebê que eu sacudi e balancei quando estava com nove meses de gravidez, dançando minha pequena bunda gorda na Maratona de Dança. Todas as lindas rainhas do baile me cercaram e acariciaram minha barriga como as antigas russas faziam nas feiras. Eu me lembro de olhar pra elas, lindas pessoas iluminadas sorrindo e me desejando sorte. Elas estão celebrando você, eu disse para o bebê dentro de mim. Elas estão celebrando a vida. Era uma das poucas noites que eu não precisava encarar a realidade prática do outro lado da moeda, o lado em que eu via os meus amigos se desfalecendo ao nada.
Quando tive meu chá de bebê, eu estava morando com uma amiga que todos pensavam que era minha amante. Eu nunca liguei para o que os outros pensavam. Nós éramos como irmãs. Ela era uma enfermeira que trabalhava com pacientes soro-positivos. Eu era uma advogada que não gostava de ver pessoas decentes sendo desrespeitadas e tratadas como lixo. Nós éramos companheiras de luta. Pessoas estavam sofrendo tanto, sendo forçadas a sair de suas casas, perdendo o emprego, sendo rejeitadas pelo seguro, sendo ignoradas pela própria família. Tão poucas pessoas realmente se importavam. Ainda me machuca lembrar como era horrível, como era tremendamente injusto, como as pessoas conseguiam ser incrivelmente cruéis. No meu chá de bebê compareceram quatro lésbicas lindas, nove gays fabulosos, uma liberiana que o caso de asilo eu tinha ganho naquele ano e um casal hétero que eu ainda mantinha contado dos tempos da faculdade. Na semana seguinte, minha mãe marchou na Parada Gay. Nós rimos do fato de eu talvez ter que fazer o parto na parada. Foi um dia incrível. Me surpreende mais do que o normal escutar um cara qualquer sussurrar “bichas” enquanto nós voltamos para o carro com alguns amigos.
Quando ele era um garotinho me dizia que seria uma garota. Eu disse que ele poderia ser o que quisesse. Nunca pensei muito sobre isso. Crianças não captam o conceito de gênero aos dois anos de idade. É como a filha do meu amigo que lhe disse que teria “peitos grandes e cabeludos como o papai”. Alguns anos depois, ele estava brincando de Jogo da Vida com o irmão e declarou que iria se casar com um garoto. Ele tinha seis anos. Seu irmão de quatro insistiu que ele não poderia se casar com um garoto. Ele tem que se casar com uma garota, não é, mãe? Eu respondi que eles poderiam se casar com um garoto ou uma garota. Não importava desde que eles fossem felizes e pessoas boas. Ele, todo contente, andou com seu carrinho carregando dois homenzinhos azuis no banco da frente. Isso aconteceu na mesma época em que ele queria usar meu brilho labial. Eu não me importava. Eu emprestava toda a vez que ele pedia. E mais outros detalhes parecidos aqui e ali, reparei em todos, mas nunca me preocupei muito com eles.
Então, lá estava meu garoto de ouro, nascido em uma época da minha vida em que eu tinha profunda noção dos poderes tanto do amor quanto do ódio, e ele estava roendo as unhas no banco de trás tentando não chorar. Ele me olhou com aqueles olhos verdes enormes e eu podia jurar que ele estava montando sua pergunta cuidadosamente, já que era um menino de poucas palavras. “Eu não sou bicha só porque eu não quero ter uma namorada, não é?” Ele estava tão silencioso e sério. Eu encostei o carro e me virei para encará-lo.
Eu queria contar pra ele sobre o tempo em que ele nasceu, como tantas pessoas o amaram, como tantas pessoas o viram como um sinal de bondade e esperança para um futuro que talvez eles não estivessem lá para ver. Eu queria contar da mulher que veio ao meu escritório logo depois que ele nasceu e chorou com ele nos braços e o beijou várias vezes. Eu só o tirei dos braços dela quando ele dormiu e suas lágrimas deram espaço a um sorriso calmo. “Ninguém mais me deixou tocar um bebê desde que eu fui diagnosticada”, ela me disse em espanhol, “Ele é tão lindo. Obrigada.”
Tenho várias histórias para contar pra ele, mas quando ele estiver pronto para ouvi-las. Eu o encarei e disse, “Você não é bicha e ponto final. Não importa se você gosta de garotas ou se gosta de garotos. Não tem nada a ver. Você não é bicha não importa o que faça. Essa é uma palavra feia que pessoas estúpidas usam para machucar uns aos outros.”
Foi tudo o que eu pude dizer hoje. Eu não sabia o que mais poderia dizer. Meu filho é gay? Eu não sei. Eu não tô nem aí. Ele vai descobrir se é ou não. De qualquer modo, quando ele for velho o bastante para entender, ele irá escutar as histórias do ano em que ele nasceu. Ele saberá o quanto é especial e ele entenderá porque a palavra “bicha” nunca mais o machucará.
Cate, a mãe do garoto sortudo, escreveu esse texto em 4 de Fevereiro de 2005, no
blog pessoal dela (repassem a tradução ou o link, tanto faz, mas repassem).