Jun 30, 2010 13:32
Ser cigana não é fácil. Andando pelas praças da grande metrópole que trabalho, vejo quando olham torto para mim, o quanto me machucam só com esse olhar. O quanto o preconceito é comum e as pessoas não percebem. Eu faço parte de uma cultura, de uma história. Não sou uma qualquer que coloquei vestido e jóias porque quis ser diferente. Eu simplesmente sou diferente, e se pudesse escolher não seria. Ser chamada de excêntrica não é tão legal quanto parece, acredite. Muitas vezes pensei em ficar no meu acampamento e não sair de lá jamais. Meus amigos são verdadeiros, são diferentes das pessoas da cidade. Porém, eu assim como todos preciso comer. E preciso de dinheiro. Por isso estava mais um dia andando pelas praças, melancolicamente, pensando como afinal todos detestam meu trabalho e como não acreditam no que eu falo. Mesmo eu omitindo tudo de ruim das pessoas.
Ler mãos não é um trabalho que você gostaria de fazer. Sou obrigada e ver fatos nas linhas das pessoas que me entristecem, me atingem. Mas infelizmente tenho que continuar. Ultimamente nem tenho mais me oferecido para ler mãos. Apenas espero que cheguem até mim. Assim posso fazer meu trabalho com mais facilidade. Porque acreditam em mim. E foi assim nessa tarde ensolarada em que eu estava sentada na praça, absorta e tranquila, quando uma jovem veio e sentou ao meu lado. Ela parecia apreensiva, porém era uma apreensão boa, uma ansiedade somada com felicidade. Peguei sua mão e fui me embrenhando nas linhas que a cercavam. Eram bonitas. Linha da vida longa, linha da carreira excelente e linha do amor, bonita. Diferente da minha. Todas as vezes que via uma linha do amor, pensava na minha, torta e disforme, que nunca tomaria a forma certa, porque eu nunca pararia de viajar por causa de uma pessoa. Ser cigana é mais forte que qualquer amor. Até mais forte que o amor dele. Enquanto lia a mão daquele jovem tão afortunada, uma visão veio a mim. Era ele, correndo para os braços dela. Como almas gêmeas, perfeitos um para o outro. Nunca o tinha visto sorrir desse jeito, pelo menos não para mim. Precisei segurar minhas lágrimas para encarar novamente minha concorrente, a dona daquela mão tão perfeita e dona do amor da minha vida. Eles seriam para sempre um só, enquanto eu seria sozinha a minha vida toda, apenas com minhas viagens e frustrações de amor.
Ela sorria abertamente no final da leitura de sua mão. Me pagou e se retirou radiante. Eu voltei para meu acampamento, como sempre acontece. Fiquei pensando em tudo que perdi e em tudo que eu tenho. Inveja não é um sentimento bom, por isso não terei. Ela será feliz, será pra sempre, com ele. Uma alma em dois corpos. Mas eu não posso reclamar, a próxima viagem me aguarda, com muitos sentimentos no bolso, até o amor que cultivei por ele. Porém, não posso tê-lo. Tenho que levantar a cabeça e prosseguir, porque ter a vida de todos a seu alcance é uma dádiva e uma desgraça. Cabe a mim saber separar esses dois presentes que a vida me deu. Afinal, sou uma cigana e me prender é deixar de sê-lo.