Nov 16, 2009 22:02
Sua respiração estava descompassada e ofegante, algumas lágrimas escorriam dos seus olhos enquanto olhava para o chão, onde estavam pousados três sacos pretos grandes. Flashes passavam pela sua cabeça:
'Se fizer tudo certo... ganhará a paz'
Recordava-se do dia em que tinha visitado uma senhora conhecedora de bruxarias. Não sabia como sua vida tinha chegado ao ponto de que precisava da ajuda de outros para resolver seus problemas, mas sabia que tudo estava indo tão mal, que o melhor a fazer era procurar uma mão amiga. E o mais próximo que conseguiu foi Dinorá, que havia se tornado sua companheira tão próxima.
'No amigo, você joga oliveira. No inimigo você joga pimenta. E no amor mirra. Lembre-se de queimar cuidadosamente tudo que fizer e jogar as cinzas em um rio. Não pode ser no mar muito menos em um lago.'
Continuava olhando para os pacotes pretos, que estavam na beira de um rio. Ela vestia uma capa preta de um tecido leve, que formava gotículas de suor juntamente com as lágrimas. Continuava lembrando dos últimos meses de sua existência:
'Espere chover e coloque o capuz, só faça em lua cheia...'
Todos esses conselhos e etapas estavam praticamente completos, só faltava finalizar. E era isso que ela começaria a fazer agora.
Tirou do bolso da capa uma faca pequena, e fez um pequeno corte no pé, recolheu esse sangue e guardou em um frasco. Apesar da dor, lembrou-se de todos que a fizeram sofrer e enxugou as lágrimas, pois a coisa que ela mais queria nesse momento era vingança, e era isso que ela teria.
'O primeiro é seu amigo...'
A memória de quando ela chegou à casa de Nathan atormentava a sua mente. O jeito que ele a tratou, a nova casa dele, como ele era feliz, enquanto ela tinha se tornado esse ser tão fétido. Entrou em sua casa para tomar um chá, e colocou veneno no chá de Nathan, como havia combinado com Dinorá. Enquanto Nathan agonizava no chão, ela apenas disse: Isso foi por você me abandonar enquanto eu mais precisava de você.
Abriu o primeiro saco preto e visualizou Nathan pálido, com as pálpebras abertas e assustadas. Seus olhos encheram de lágrimas mais uma vez, mas não a permitiu que caíssem. Tirou um outro pacotinho do bolso da capa, onde havia oliveiras. Jogou no corpo de Nathan, junto com duas gotas de seu sangue.
'O segundo é seu inimigo...'
Lembrou-se de quando bateu na porta da Louyse, e como ela atendeu com aquele olhar de desprezo. De uma amizade, elas tinham se tornado inimigas. Culpa de uma pessoa que não fazia a menor diferença para ela, culpa da infantilidade da Louyse. Louyse não iria permitir que ela entrasse em sua casa, e ela nem ao menos gostaria de sofrer essa sensação desagradável. Por isso, sem ao menos dizer algo, mirou no coração de Louyse, com todo o ódio que Deus (ou o Diabo) poderia lhe dar. O tiro foi rápido, certeiro.
Abriu o saco que estava no meio e reconheceu a face de Louyse, branca, assustada e com grandes olheiras ao redor dos olhos. Reparou que sua vida também tinha tomado rumos desconhecidos, novos, talvez infelizes, porém ela nunca retomou contato, então mereceu esse fim. Um sorriso no seu lábio abriu-se: 'Eu jurei vingança há tanto tempo... estou conseguindo!' Jogou a pimenta no pacote flácido que o corpo de Louyse tinha se tornado, e mais duas gotas do seu sangue.
'O terceiro é seu amor...'
Essa era a parte que mais doía, essa era a parte que tinha arrancado seu coração, destruído em pedaços. Ele que havia tirado toda a paz que ela agora sonhava, almejava, necessitava. 'Acho que foi o que eu matei com mais vontade, garra e sofrimento misturados. Também, será a última vez que irei sentir todos esses sentimentos. Daqui em diante, só paz.' Quando tocou em sua casa, sua mulher abriu a porta, segurando um pequeno embrulho que ela logo reconheceu como o filho mais novo do casal. O mais velho surgiu na porta com uma voz baixinha, doce, perguntando quem era. A sua mulher sorriu pra ela, receosa. Talvez ele tivesse falado que a sua paixão era uma obsessão, o que era mentira. Ela sempre havia sido tão submissa a todo aquele sentimento, estava cansada disso. 'Vá passear com seus filhos um pouco, Ângela. Preciso conversar com seu marido, a sós.' 'Você realmente acha que vou deixá-la sozinha com meu marido...qual é seu nome mesmo?' 'Não importa, só saia.' A resistência de Ângela fez seu marido aparecer na porta, e chocando-se com ela, pediu carinhosamente para Ângela dar uma volta. A mulher foi, de mal-grado e ele, olhando-a com desprezo, mandou-a entrar. Ela foi direto para a cozinha, com ele no seu encalço, mas o tempo foi curto. Ela logo abriu uma gaveta em que facas de churrasco estavam alinhadas cuidadosamente. Ângela era bem perfeccionista. Achar as facas com tanta facilidade foi um mérito de Dinorá, que tinha visualizado a casa com muita antecedência e planejamento. Pegou uma dessas facas, virou-se e enfiou com todo o amor que tinha em seu coração no estômago dele. 'Por quê?' Ele perguntava desesperadamente. Ela apenas murmurava: 'Minha paz, minha paz.' Depois de uma chacoalhada, ele caiu no chão. Fugir com o corpo foi um problema, mas ela conseguiu com êxito.
E agora, ela abria o último saco, o que ela não queria ver o rosto. Ela se jogou em cima do corpo do homem da sua vida, enquanto tremia e falava: 'se eu fiz tudo isso foi por você, me perdoa, me perdoa...eu só estou atrás da minha paz...' Depois retomou a posição, jogou a mirra e as duas gotas de sangue. Colocou o capuz. Cutucando o bolso dele, achou o isqueiro, olhou para o rosto dele pela última vez e pensou que nunca mais teria solavancos e descompassos no estômago. Sorriu, acendeu o isqueiro e incendiou os três corpos. A lua cheia olhava, um lobo uivava, a chuva escorria pelo seu corpo e os corpos queimavam. Quando eles se transformaram em cinzas, ela as empurrou para o rio, afundando todo o seu passado. Respirou fundo, seu coração em ritmo acelerado, dançando dentro de seu peito. Era a cartada final:
'E você encontrará sua paz'
Colocou os pés na água fria do rio, e foi colocando o corpo lentamente. Foi deixando afundar-se, sentindo uma grande dificuldade em respirar quando mergulhou totalmente nas águas. A correnteza foi rapidamente levando-a pra longe, enquanto ela murmurava (engolindo mais água): 'minha paz, minha paz'. Apagou, e o máximo que conseguiu chegar foi na escuridão.