.Costumam ir ao Teatro?.

Dec 11, 2006 20:41

A última peça que fui ver foi O Saque. Uma comédia negra à boa maneira de Joe Orton. Uma brilhante interpretação da grande equipa que é o Teatro Nacional S. João. Infelizmente, já saiu de cena.

Tive de fazer este trabalhinho para a faculdade. Aqui fica. E ide, ide ao teatro! Que é tão bom e eu vou tão pouco :\

O SAQUE do humor negro


'A lei é imparcial', afirma a enfermeira Fay na iminência de ser presa. 'Mas quem é que lhe encheu a cabeça com esses disparates?', questiona o inspector Truscott, o “perspicaz” agente da lei. A sala explode numa gargalhada sonora, dando alma a um Teatro Nacional S. João repleto em noite de estreia.

É neste ambiente que O Saque cresce, a par e passo. Uma comédia negra com uma crítica de costumes à boa maneira vicentina. Os risos surgem quando os nossos maiores defeitos são postos ao ridículo de uma maneira tão natural.
O Saque de Joe Orton abusa do humor negro, o ex-líbris da cultura britânica. O cenário é a morte da senhora McLeavy. O caixão em que a falecida tenta repousar torna-se o centro da peça, a partir do momento em que o seu filho Hal e o amigo (e amante) Dennis escondem nele o dinheiro do assalto a um banco. O resto é um retrato do pior de cada um de nós, com uma leve pitada de absurdo e imoralidade (o conjunto perfeito para uma noite bem passada).
Todos sabemos que o texto irreverente de Joe Orton é um brilhante exemplo da boa comédia negra britânica. No entanto, será possível ter a mesma cadência humorística e rítmica na língua portuguesa? Ricardo Pais estava ciente disso (chegou a confessar que era um dos seus maiores medos.) Assim, em boa hora deu carta branca a Luísa Costa Gomes, com quem já tinha trabalhado em UBUs, para fazer a tradução das palavras de Orton. Apesar do recurso a algumas piadas fáceis (bem ao estilo do humor corriqueiro português), a tradução está exímia, não se limitando ao mero papel de reprodução de um texto que tinha, obrigatoriamente, de ser construído. Árdua tarefa, que foi vencida com uns toques de sensualidade e surrealismo.

O TNSJ provou mais uma vez a qualidade dos seus actores, com os repetentes Pedro Almendra, Paulo Freixinho, Jorge Mota, Hugo Torres e Lígia Roque a brilharem. No entanto, as pancadas de Moliére foram mais fortes com a entrada em cena de José Eduardo Silva no papel de inspector Truscott. Um polícia corrupto disfarçado de homem do saneamento provoca o riso se for interpretado com inteligência.
Ricardo Pais sempre nos habituou à inovação e ao risco. Se isso aconteceu no tratamento do texto e no recurso a certos meios audiovisuais (como os microfones no chão do palco, que davam uma estranha sensação de profundidade), os cenários poderiam ter sido melhor escolhidos. Para um S.João que já albergou o sumptuoso espaço d’A Castro, Pedro Tudela poderia ter arriscado mais.
Numa peça que brilha pelo texto, a noite é de Joe Orton. O próprio cartaz publicitário o testemunha: é o texto que chama o espectador, não a imagem. O Saque dos bons costumes é feito e concluí-se aquilo que Orton já afirmava: “As pessoas são profundamente más, mas infinitamente cómicas."
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