Mar 10, 2006 04:55
Numa tarde quente, característica do princípio do Outono, Rafaela sentou-se na “sua” rocha da praia do Guincho e com o olhar perdido no horizonte deixou-se levar por entre as brumas do seu pensamento.
Pensamento esse que tentava inexplicavelmente levá-la numa viagem ao passado. Passado que tinha sido vivido ao lado do grande amor da sua vida, Gustavo, o seu Deus grego, aquele homem que a tirava do sério… Sentada na rocha de olhos fixos na espuma das ondas ela relembrou tudo aquilo que nunca iria esquecer.
O amor que os unira, os livros que leram juntos, o cheiro envelhecido das folhas de um caderno antigo que ambos haviam rabiscado. O cheiro adocicado dele colado à sua pele… Tudo coisas que infelizmente Rafaela não tornaria a sentir.
Gustavo tinha falecido, no dia 28 de Agosto de 2001, pelas 19:35h, num acidente de viação quando seguia pela marginal, rumo a Cascais, com o intuito de ir buscar Rafaela ao trabalho, para que depois pudessem ir jantar para comemorarem dois anos de um casamento mais que desejado pelo qual estavam unidos.
A angústia dela ao receber a noticia foi enorme, as lágrimas libertas mais que muitas e a força interior muito pouca… Com o passar dos anos a força foi aumentando, tentava ultrapassar sempre que possível a dor e o vazio e agora estava ali, naquela praia… Naquele sitio onde ambos fizeram planos para uma vida em comum, recheada de filhos e partilhada numa casa à beira-mar. Sonhos que não chegaram a sair do imaginário dos dois, planos que não chegaram a sair do papel… Papel esse que Rafaela mantinha amachucado por entre os dedos, molhado pelas gotas cintilantes que percorriam o seu rosto, naquele final de tarde.
Agora, 6 anos depois do trágico acidente que o destino lhe colocou no caminho e que tirou a vida à sua alma-gémea, ela é uma mulher mais forte, uma psiquiatra de renome… Continua viúva por opção. Nenhum homem, para além de Gustavo, conseguiu fazer o seu coração palpitar mais intensamente, os seus olhos brilharem e a sua boca esboçar aqueles sorrisos apaixonados, típicos das adolescentes que nutrem paixões platónicas por actores e cantores famosos que idolatram através dos posters dos seus quartos e dos cartazes rasgados das ruas sujas das cidades.
Agora, passados 6 anos continua viúva, comprou a casa que os dois tanto desejavam junto à praia, e adoptou um menino ao qual deu o nome do seu grande amor e continua a ostentar no dedo anelar da mão esquerda o brilhante anel de noivado e a reluzente aliança de ouro branco, que ambos escolheram numa antiga joalharia de uma qualquer ruela da Baixa de Lisboa onde tantas vezes iam passear de mãos dadas…
Só ela e o seu filho interessam agora… Não deseja mais nada… Apenas continuar a exercer a carreira pelo qual tanto lutou, ser feliz ao lado do seu filho que considera também filho de Gustavo e para além disso, dirigir-se todos os finais de tarde àquela praia, àquela rocha de onde observa o seu tesouro a construir castelos de areia, a desenhar histórias encantadas e a construir sonhos no denso areal dourado onde os seus pais trocaram juras de amor, enquanto ela de dedica a sonhar sobre como teria sido a vida deles se o destino não lhe tivesse preparado tamanha partida…
Yolanda Almeida
2006-03-03