Terra de Ninguém

Aug 05, 2008 23:06

E apareceu diante dele uma grand construção, com muralhas rodeando aquilo que se podia chamar de cidade. Altas torres com moradas se erguiam à sua frente enquanto ele passava pelos monumentais portões daquela cidade. E viu névoa e outras silhuetas que não conseguia identificar; teve medo e hesitou. Parou, olhou em volta e nada achou. Decidiu voltar e contornar aquele lugar pelo lado de fora, se guiando pelas altas muralhas, mas as muralhas haviam ido embora. O que restava era um imenso desfiladeiro cujo fundo não conseguia ver. Do outro lado, mais névoa e solidão. Estava ele naquilo que parecia ser a rua principal daquela cidade. Se sentiu só, mas a solidão era tão vazia quanto aquela cidade, e a tristeza tão densa quanto aquela névoa gélida. Prosseguiu bravamente com o que lhe restara de coragem; por que coragem não é a ausência do medo, mas a não aceitação das limitações impostas por isso. E avançou, austero e inflexível, dentro daquela Terra de Ninguém. Viu outros semelhantes, mas esses não pareciam notá-lo. Todos usavam roupas cinzas, sem coloração. No fundo, no fundo, todos pareciam iguais, com o mesmo corte de cabelo e jeito de andar. Falavam roboticamente, como se estivessem programados para tal.  Tentou se comunicar mas era em vão. Foi então que percebeu que tudo à sua volta era desprovido de qualquer cor; a névoa naquele lugar na verdade não existia. Tudo ali parecia morto e imóvel.
     E entrou numa dessas grandes torres que abrigavam gente. Não havia luz, não haviam janelas, não haviam coisas. Apenas uma bancada que servia de mesa era usada por operários acorrentados ao chão, que batiam sistematicamente seus martelos em grossas placas de metal reluzente. Ninguém ali parecia pensar, falar ou exercer qualquer tipo de raciocínio. Todos faziam praticamente a mesma coisa; apenas existiam, aqueles pobres coitados. E ele percebeu que ali não era seu lugar. Sentiu-se só; por que embora estivesse rodeado de milhões de pessoas, ninguém ali parecia querer falar ou esboçar qualquer tipo de reação. E não queria causar nenhuma contra-reação, caso atrapalhasse algum deles. Queria sair dali o mais rápido possível. Sabia que ali não era seu lugar. Tinha sonhos e queria concretizá-los, embora aquele mundo fosse um tanto quanto vazio. Esperava encontrar alguém como ele, cheio de esperança e humanidade, que quisesse partilhar de seus sonhos e perspectivas. Mas por hora saiu dali pela porta da frente. Não havia sol naquele lugar. Aquelas torres pareciam bloquear completamente qualquer tipo de iluminação, quão altas eram. Por todo lado, pessoas andavam, umas com mais pressa, outras mais pacatas. Algumas estavam paradas, olhando as vitrines vazias de uma rua sem emoção, buscando o nada, caindo no esquecimento. Passava por alguns deles, e eles balbuciavam palavras. Ao olhar para elas, porém, elas encaravam o amanhã, sem expressão nenhuma. Outras olhavam para o passado, e viam nele tempos melhores. E percebeu que, naquela Terra de Ninguém, todos olhavam para suas próprias vidas. Fosse para o passado, fosse para o presente, nenhuma delas tinha coragem de olhar para frente, nenhuma delas queria prestar atenção à sua volta. Todos viviam em seu mundinho fechado, reclamando, existindo numa vida vazia e sem cores, olhando as vitrines vazias de uma rua sem emoção, buscando o nada, caindo no esquecimento. E começou também ele a pensar no seu passado, antes de entrar naquelas muralhas que rodeavam aquela cidade. E pensou de onde veio, e para onde podia ir e onde deveria estar. E logo começou a ilusão daquelas ruas imperfeitas, daqueles prédios altos, daquelas vidas sem rumo. Quando deu por si, estava caindo da calçada, mas a calçada demorou a chegar. Se tornara leve e inconsequente, uma pluma ao tornado emaranhado de idéias e sensações. E caiu duro na rua, em cima de uma poça vermelha. E ele se via, cinza como uma nuvem de chuva. E olhou à sua volta, e todos olhavam para ele. Eram as mesmas caras inexpressivas de descontentamento que ele vira antes. Reconhecera aquilo e quando deu por si, estava praticamente todo cinza, como os demais. Se levantou, mas o levantar foi duro e pesado. Parecia que ele mesmo pesava toneladas e mais toneladas. Quando se pôs de pé, estava suando frio, embora tivesse voltado ao normal. E olhou em volta e viu que todos já se voltavam para si mesmos, se trancando novamente em seus mundinhos. Decidiu sair dali o mais rápido possível, mas a rua era longa e seus caminhos se separavam diversas vezes. Olhou para trás e viu um grande espelho. Atrás dele havia uma cidade colossal, com as mesmas torres daquela cidade fria. Essa cidade, porém, era cheia de vida e radiante. As pessoas olhavam umas para as outras, se comunicavam, trocavam olhares. Pássaros voavam de um lado a outro. Não havia tecnologia, não havia pressa, não havia morte. Ali, aquela Terra de Todos, era um lugar pacífico e calmo. Queria estar lá por que aquele lugar o lembrava de seu lar e de onde veio. Deu um passo à frente, mas bateu no vazio. Não conseguia atravessar aquele espelho, e entendeu que devia procurar aquele lugar, aquela Terra de Todos. Deu meia-volta e se deparou com a mesma cidade cruel de antes. Mas dessa vez caminhou firme. E caminhou em direção ao portão de saída. E desapareceu para sempre, para nunca mais voltar...
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