Wanted

Feb 07, 2009 01:18



O QUERER EM WANTED - O PROCURADO

Wanted é um filme que permite várias leituras. Pode ser visto apenas como um blockbuster de ação cheio de adrenalina, com efeitos especiais caprichados e cenas típicas de perseguição de carros e explosões, e muita testosterona. Pode também ser visto como uma típica fantasia masculina - um dia, uma garota linda e misteriosa virá resgatar-me dessa miséria de vida chata, do cotidiano de um trabalho frustrante e uma namorada exigente e histérica, para me apresentar a um mundo totalmente novo, desafiador e perigoso. O mais interessante no entanto, e algo que parece ter escapado a muitos críticos que desprezaram ou rotularam o filme como mais um filme-pipoca escapista, é a busca pela identidade. Seja a identidade do Eu (Self), ou a identidade adquirida através da convivência e das lições adquiridas de nossos pais, ou a identidade conquistada através de uma realização amorosa, ou através do trabalho, ou de um grupo com os mesmo interesses .



A  própria palavra wanted, no original em inglês, revela várias camadas. Não apenas Procura-se ou Procurado, como nas fotos dos criminosos. Mas também o fato de sermos todos seres sempre em busca de algo, no processo contínuo de entender o que realmente queremos da vida. Wesley havia chegado ao ponto em que acreditava não querer mais nada para si e sua vida, que resumia-se a uma rotina frustrante e vazia. O contato com a Fraternidade o fez, talvez pela primeira vez como adulto, encarar as frustrações de quereres não realizados. Wesley queria um lugar no mundo e queria uma família. O fato de ter tido um pai tão famoso por seus feitos o fez querer se espelhar naquele homem grandioso (que até pouco tempo, antes da Fraternidade, era apenas um covarde que o havia abandonado). Por outro lado, Cross, o pai, também queria o filho. As circunstâncias de seu trabalho com a Fraternidade fizeram-no afastar-se da família e abandonar Wesley ainda bebê, para evitar que ele seguisse seus passos. Mas o abandono gerou uma série de frustrações e mágoas que ambos nunca conseguiriam resolver, e ironicamente surtiu o efeito contrário, fazendo com que Wesley, assim que foi informado ser filho “do maior assassino que já existiu”, projetasse na figura do pai uma imagem de perfeição, (tratava-se, afinal, do homem que conseguia “conduzir uma sinfonia” com sua arma) e desejasse ainda mais ardentemente ser como ele - tudo que Cross não queria para o filho.

A frustração pela busca dessa identidade perdida (ou nunca conquistada) permeia a história, e a percebemos também nos outros personagens. Voltando ao super-assassino Cross, o desejo de ter um contato com Wesley e ao mesmo tempo, o horror gerado pela possibilidade do rapaz  seguir aquela vida errante , o transformou em um voyer do próprio filho. Morando no apartamento em frente ao de Wesley, ele o observava, fotografava e monitorava à distância. Talvez percebesse sua inércia e depressão, mas não conseguia fazer nada a respeito. Wesley, inconscientemente, percebia a presença de alguém o vigiando (sempre que saia de casa e olhava em direção ao apartamento de Cross), o que aumentava sua paranóia e isolamento, que podiam desencadear crises de pânico. Essas vidas isoladas, que poderiam ter desenvolvido um relacionamento pai/filho produtivo, vão reproduzir em parte a tragédia de Édipo, que desconhece o próprio pai e acaba por matá-lo.



Identidades perdidas, ou apagadas, vidas unidimensionais, fazem parte do ambiente de um culto. Na Fraternidade, existiam pessoas com funções específicas, e sem vida fora do que “sabiam fazer bem”. Havia o Reparador, que “reparava erros do passado” em sessões de espancamento. O Armeiro, perfeito com as armas. O Açougueiro, bom em manipular quaisquer tipos de objetos cortantes. E Fox, talvez a mais complexa, a única (ao lado de Wesley, como iremos verificar mais tarde) capaz de causar um defeito irreparável na máquina bem azeitada da Fraternidade. Apesar de seu aparente niilismo, Fox possuía um forte senso de honra e justiça. Ironicamente, a pessoa que mais aceitava a premissa do Tear do Destino (e portanto, da própria Fraternidade) seria uma das responsáveis por sua derrocada. Para Fox, a partir do momento em que se revelou a manipulação dos nomes, tudo perdeu o sentido. Sloan os havia tornado assassinos comuns, visando apenas lucro. Não havia mais um objetivo sagrado, eles não eram mais anjos exterminadores em busca de justiça e equilíbrio no mundo. Sua própria vida perdeu o sentido a partir dali, mas ela deixou Wes viver na esperança de que ele ainda pudesse se redimir, e talvez no processo, redimir a todos eles.

Uma das maiores críticas feitas a Wanted foi sobre a função do Tear do Destino. Na verdade, o Tear é um dos elementos mais intrigantes do filme, justamente por lidar com a questão da credibilidade, e como elementos aparentemente ‘mágicos” e esotéricos podem nos fazer estabelecer uma “fé” em determinados sistemas. A Fraternidade nunca questinou a a credibilidade do Tear - na verdade, nunca questinou a credibilidade de Sloan, que era o único que podia ler e interpretar as falhas no tecido que forneciam os códigos binário transformados em nomes. O Tear, no fundo, era apenas um símbolo - os assassinos da Fraternidade acreditavam no que desejavam acreditar, e talvez a maioria apenas gostasse da matança, sem importar-se com o fato de estarem fazendo justiça ou não. Isso fica bem claro no momento em que Sloan revela a farsa, e deixa claro que os assassinatos geram lucros. Não se tratava de “justiça” ou “buscar um equilíbrio entre o bem e o mal no mundo”, mas simplesmente de um negócio. Os membros da Fraternidade perderam assim sua função quase mística (segundo aparentemente acreditavam, ao ingressar no culto) e tornaram-se meros assassinos de aluguel. Quando confrontados com esta verdade, os membros simplesmente se ajustaram a nova idéia de assassinatos gerando lucros - já que nunca questionaram a moralidade de matar apenas baseado no que um tear dizia, e gostavam de ser matadores, porque não unir o útil ao agradável?



Wesley procurou manter intacto seu senso básico de humanidade (um dos momentos mais engraçados - e ironicamente mais verdadeiros - é quando ele exclama “Eu tenho respeito pela condição humana!”), e isso naturalmente não é bem aceito em um culto, onde o objetivo final é a desumanização. Wes questinou os métodos da Fraternidade - a aceitação cega às ordens do destino, às mortes ditadas pelo tear - até que a história contada por Fox o fez encontrar um objetivo "justo" (e humano) nos assassinatos. Ele mesmo, afinal, estava em busca de justiça para seu pai. A questão é se “matar um para salvar mil” pode ser mesmo considerado justiça, e até que ponto algumas pessoas podem tomar para si a responsabilidade de assumir a identidade dos lobos que abatem os “fracos” ou “doentes” - os que podem prejudicar a coletividade do rebanho, o funcionamento adequado da sociedade. Talvez sejam questionamentos que Wes fará mais profundamente na continuação da história.



Provavelmente, as informações fornecidas pelo Tear vinham sendo manipuladas desde que o primeiro líder da Fraternidade percebeu o poder de persuassão de um “objeto místico”. O que não quer dizer que, embora muitos membros fossem simplesmente assassinos psicóticos que na Fraternidade pareciam ter encontrado uma justificativa e função para seu desequilíbrio (como no caso do Reparador e do Açougueiro, por exemplo) outros tantos seguidores não acreditassem piamente na função mágica do Tear, e no trabalho quase divino que executavam - matar os potencialmente maus para alcançar um equilíbrio no mundo. Esse era o caso da assassina Fox que, devido a um trauma que ela pode ter sofrido ou não (conhecendo-se as técnicas de “lavagem cerebral” dos cultos, a morte do pai de Fox por um homem cujo nome havia sido ditado pelo tear, mas não havia sido executado, pode muito bem ter sido algo no qual ela foi levada a acreditar - exatamente como Wesley, mais tarde), sentia que havia uma missão sagrada a ser cumprida, e as ordens ditadas pelo Tear deveriam ser seguidas à risca. Ironicamente, a pessoa que mais acreditava na Fraternidade foi uma das responsáveis por sua derrocada. O desvirtuamento da finalidade de todos aqueles assassinatos significava que ninguém mais era puro, e todos deveriam ser sacrificados - inclusive ela mesma.

A função de Wes na história é nos representar. Somos o homem comum, muitas vezes oprimidos pela sociedade, no trabalho ou em um relacionamento fracassado, nunca tendo dinheiro suficiente para realizarmos nossos sonhos. Como nós, Wes também questiona a irrealidade aparente da Fraternidade (“Um tear fala conosco?”) e seus métodos (“Porque tenho que matar alguém de quem não sei nada a respeito, não sei o que ele fez de errado...que direito temos de julgar essas pessoas?”) até que, depois de várias manipulações emocionais e torturas físicas, se entrega ao culto que parece lhe oferecer um objetivo na vida, uma missão. Quando tudo cai por terra, Wes precisa encontrar em si suas próprias convicções. Ele desperta, mas ainda assim - apesar de ter tomado o controle de seu destino, ao menos em relação a questões como o trabalho, seu relacionamento, e o grupo que havia servido de substituto ao pai, à família - seu questionamento permanece: “O que sou eu?”



E para terminar, existe uma uma outra característica interessante em Wanted que é o uso de uma mitologia de contos de fadas, usada para nos fazer embarcar no curioso mundo da "realidade irreal" proposto pelo diretor. Castelos, teares mágicos, ratos "encantados" (tal como no Flautista de Hamlin"), o rapazinho fraco e sem graça que se joga (ou é jogado) em uma jornada heróica - como em "O Alfaiate Valente", dos irmãos Grimm, onde um modesto alfaiate ruma em busca de aventuras depois de sentir-se o tal ao matar sete (moscas!) de uma vez...
São elementos que enriquecem o filme e permitem muitas leituras, e tornam Wanted um filme único no universo cada vez mais apático dos filmes de aventura/ação. É só querer entrar na viagem...

Wanted screencaps # 1, 3, 4 & 5 by  youbecomeme

Wanted screencap # 2 by  cris_a





o procurado, wanted, james mcavoy

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