Jan 15, 2004 19:49
Sou dono de uma expressão de sorriso feio, falso. Sou dono de uma cicatriz que me marca o rosto e dramatiza o olhar. Sou dono de um andar viciado, rotineiro, sei de cor todos os caminhos por onde vou. Sou dono da mentira, dos jogos e da arte de bem aldrabar. Sou uma espécie de foguete na vida de quem me rodeia e a minha luz quase nem se vê. No entanto, sou um espasmo no marasmo, ainda que digas o contrário:
- És uma visão patética - dirás.
- Esta é a visão que eu te ofereço - direi.
As frases saem-me fria e cruamente e sou imune a murmúrios doces e lânguidos… causa-me arrepios a languidez. Eu gosto é de porrada. De ver um homem a ser espancado e uma mulher a ser violada. Gosto quando os olhares ficam esbugalhados de espanto à primeira pancada, invadidos de surpresa. Gosto de ouvir uma pessoa a ganir de dor a cada golfada…
Atende o telefone… estou a escrever…
Lembro-me quando era miúdo e a idade ainda me permitia ver pelos olhos dos outros, de passar a vida a correr. Interessante como os miúdos não conhecem o meio-termo, só querem correr, só querem ser os primeiros e chegar primeiro. Têm pressa de viver. Se soubessem a velocidade a que o tempo corre quando fossem mais velhos, não correriam tanto. Desejariam carregar no pause e suspender a juventude para sempre. Eu só desejo, recuar e fazer o mesmo.
A morte deve-se encarar com uma lágrima que cai até ao sorriso.