Sep 06, 2010 13:32
Only in portuguese, sorry.
But this short text is awesome.
Noite sem fim - Carlos Heitor Cony
O médico receitara um antialérgico para curar o resfriado, tomasse um comprimido antes de deitar, tomou dois, o sono veio brutal. Dormiu como dormem os amantes depois do amor, como dormem os gladiadores depois da luta, como dormem os mortos, depois da vida.
Acordou no meio da noite, noite profunda, pela janela do quarto achou que noite alguma poderia ser mais profunda. Pensou "Bem, ainda tenho sono, vou continuar dormindo". Depois de um tempo que não poderia determinar, acordou novamente. Olhou pela janela: profunda era a noite lá fora.
E como ainda estivesse com sono, voltou a dormir. Sonhou com pessoas antigas e mortas, e todas o aceitavam como se antigo e morto fosse.
Novamente acordou e novamente olhou a noite lá fora. Tudo escuro, espesso. Mas foi o silêncio que o espantou. Que a noite se prolongasse e o sono continuasse, tudo bem, andava cansado e nada demais que tivesse uma noite comprida. Tomara um remédio que, segundo a bula, provocava sonolência e confusão nas cores, não percebera a luz da manhã que na certa se anunciava.
Dormiu mais uma vez e mais uma vez sonhou que estava no meio dos mortos, mortos antigos que o recebiam em silêncio e, pior, sem surpresa. Tampouco ele se surpreendia de estar ali. Dessa vez, contudo, reparou que todos aqueles mortos, ele também, estavam mergulhados na escuridão de uma noite que parecia não terminar.
Acordou e teve medo de olhar pela janela. Impossível que ainda fosse noite. Mas era. E além da noite, o silêncio. Pensou: "Bem, o sono passou, vou ficar acordado e esperar pela manhã". Fixou a janela esperando que um pouco de luz abrisse a escuridão compacta, ou que da rua subisse um som - qualquer barulho seria um som de vida.
Esperou inutilmente. Nada se mexia na escuridão e no silêncio. Só então aceitou a realidade e, sem dor, mergulhou no meio dos mortos, mortos antigos e seus.
public post,
random