Esse é um texto bastante interessante que postaram na comunidade
Gothic Lolita.
Escrito por: Nessa Neko (www.lolitafashion.org)
Tradução: Besta Negra
Revisão: Thieme (eu mesma)
Em uma tarde de domingo em Harajuku, Tóquio, é possível observar uma ou outra garota que se destaca na multidão de jovens em suas roupas multicoloridas. Enquanto os demais usam jeans, mini-saias e mesmo Yukatas coloridas (Yukata é um tipo de kimono de algodão usado no verão), essa garota provavelmente estará usando um vestido que você provavelmente veria em algum catálogo de moda vitoriana - rendas e preto, ou talvez rosa pastel, combinado com anáguas, sapatos de boneca - Mary Jane - e um laço no cabelo. Será isso moda ou subcultura, e como isso reflete a sociedade e cultura japonesa? Será que vai evoluir no futuro, ou é um retrato estático da rebelião jovem do século XXI? E como isso se compara com a conhecida subcultura gótica ocidental? Este texto pretende cobrir esses aspectos explicando o fenômeno gótico e Lolita e aqueles que são atraídos por eles.
Lolita começou em Harajuku, Tóquio, nos anos 80, quando Omotesando e Takeshita-dori, ruas em Harajuku, foram fechadas ao tráfego de carros nos domingos. Isto permitiu aos jovens se encontraram no parque Yoyogi e nas ruas ao redor para ver apresentações de músicos (roqueiros), fazer compras, ou simplesmente passar tempo com outras pessoas.
Jovens e artistas de rua começaram a aparecer em roupas extravagantes que gradualmente evoluíram para estilos reconhecíveis como Lolita, Gyaru ou Kogal, Decora e Ganguro. Estes estilos foram catalogados por um fotógrafo, Shoichi Aoki, em suas revistas STREET (iniciada em 1985) e FRUiTS (iniciada em 1997). Fotos da FRUiTS foram lançadas em um livro com o mesmo nome e foram expostas na Austrália e Nova Zelândia em exposições de fotografia, permitindo aos ocidentais ter um vislumbre deste movimento de moda de rua japonês.
A moda Lolita se popularizou com a criação das marcas como Baby, The Stars Shine Bright em 1988 e Manifesteange Metamorphose Temps de Fille in 1993. Outras marcas incluem Angelic Pretty, Innocent World e Mary Magdalene. Enquanto a maoir parte as marcas (brands) era focada no mercado japonês, o advento do interesse ocidental na subcultura Lolita fez algumas dessas marcas começarem a vender ao mercado norte americano e outros países ocidentais; algumas marcas como Metamorphose desenvolveram sites em inglês para atender a esse interesse. Mas o mercado primário das lojas ainda é o das garotas japonesas adolecentes ou em seus vinte e poucos anos.
As influências do estilo Lolita vieram de diversas eras, a mais facilmente reconhecida é a da era Vitoriana. A moda é mais voltada para as roupas infantis do que para as adultas desta era: as saias são geralmente à altura do joelho, ao invés de serem longas, e freqüentemente os espartilhos não são usados. Influências vêm também de outras eras como os anos 50 e o estilo Rococó francês, mas ao mesmo tempo que o estilo Lolita tem um aspecto "histórico", não pertence a um momento histórico específico e tende a misturar vários estilos históricos para criar seu próprio estilo característico.
Desde então o estilo Lolita se desenvolveu e se dividiu em vários subgêneros, um dos mais conhecidos sendo o Gothic Lolita (no japão conhecido como gosurori). Enquanto as Lolitas tradicionais se vestem em tons pastéis, tecidos bordados e rendas, e às vezes, carregam brinquedos como bonecas de porcelana e ursinhos, a Gothic Lolita será vista usando renda preta, vestidos de uma só cor pretos, cinza ou brancos, e cruzes ou crucifixos mais parecido com o gótico ocidental. Entretanto, a ênfase ainda é no estilo vitoriano; ele "combina aspectos de uma garota vitoriana com o ar sombrio do gótico". Este estilo foi popularizado por bandas como Dir en grey e Malice Mizer; Mana, o líder do Malice Mizer, criou a própria marca a Moi-même-Moitié, que vende roupas nem um estilo próprio conhecido como Elegant Gothic Lolita ou EGL. Outros estilos incluem o punk, o sweet (com mais cor-de-rosa, azul bebê ou branco e muita renda) e o classic. Alguns adeptos da moda mesclam o estilo Lolita com outros estilos de rua criando outros estilos como cyber-lolita ou wa-lolita, onde a estética tradicional japonesa se combina com a estética Lolita, ainda assim os estilos mais populares são o sweet, o classic e o gothic.
No ocidente o estilo poderia ser facilmente confundido com fetiche graças ao romance homônimo de Vladmir Nabokov, Lolita, mas a subcultura Lolita dá ênfase à modéstia e à jovialidade, e se compara à moda e estética Kawaii ("cute" ou fofa, meiga), e não é considerada abertamente sexual por seus adeptos. A maior parte das Lolitas japonesas nem mesmo sabem a origem do nome do estilo, embora a "Gothic and Lolita Bible", uma revista popular entre aqueles interessados no estilo, encorajem a leitura do livro. Um dos aspectos mais incomuns da sociedade japonesa atual, pelo ou menos aos olhos ocidentais, é a prevalência e até mesmo aceitação do chamado "complexo de Lolita" ou lolicon, onde homens de meia idade se sentem atraídos por garotas jovens e costumam buscar mangás pornográficos que estão sempre disponíveis em livrarias e outros lugares. Enquanto exitem sugestões do "complexo de Lolita" evidentes no estilo Lolita, as moças que o adotam não estão ligadas aos fetiches de homens de meia-idade, mas se valem do próprio desejo de serem meigas e não-sexy. Aliás, algumas Lolitas afirmam que um dos atrativos da subcultura Lolita e a ausência de sexualização do estilo. Em uma sociedade onde se dá ênfase à "beleza sensual" e isto resultou em roupas como minissaias e blusas que enfatizam os seios, bem como cirurgias para aumentar as mamas, e outras plásticas estéticas, Lolita é vista como uma reversão, onde as moças se vestem para si mesmas e não para os homens.
O fato de lolita ser moda ou subcultura ainda é um assunto discutido por seu seguidores. Muita mulheres vestem de acordo com o estilo apenas nos fins de semana ou para shows, possivelmente como forma de escapar das vidas comuns do dia-a-dia e, claro, simplesmente porque é meigo. Outras dizem que lolita é um estilo de vida, e mesmo quando não estão vestidas de acordo, buscam incorporar o étos (característica particular) da cultura lolita no dia-a-dia. Momoko, um personagem da obra Shimotsuma Monogatari ('Uma história de Shimotsuma', traduzida para o inglês e publicada como Kamikaze Girls) pelo escritor lolita Novala Takemoto, expressa o desejo de se viver na era Rococó: hedonista, despreocupada e caprichosa. Não importa se a lolita usa o estilo apenas para se vestir ou o vê como um estilo de vida, a cultura de lolita é uma fuga para um mundo de fantasia livre da pressão da sociedade contemporânea e da idade adulta. Ainda que as mulheres japonesas de hoje tenham papéis sociais mais amplos que suas mães tiveram, ainda é esperado que elas so trabalhem até se casarem e terem filhos, e enquanto empregadas, em geral são postas em cargos menos importantes que os dos homens. Ainda é comum uma moça ser empregada como assesorista ou recepcionista, ou "office lady" (para fazer café, chá e fotocópias). Além disso a cultura japonesa enfatiza a maternidade como "missão sagrada" e desencoraja as mulheres de perseguir carreiras no trabalho já que isso as afasta de sua função primária da maternidade e cuidados domésticos. Assim sendo, garotas e mulheres que vestem lolita estão rejeitando a expectativa social de carreiras sem importância e da vida doméstica em favor de uma fantasia na qual podem "satisfazer seu próprio senso de estético beleza régia" e evitar crescer um ambiente mundano.
Esta rejeição das normas sociais reflete o aumento, na sociedade japonesa, de jovens, principalmente mulheres, conhecidos como "solteiros parasitas". Milhões de jovens japoneses escolhem continuar vivendo com os pais ainda que já com seus vinte anos, ou até trinta, trabalhando para viver, mas gastando seus salários com bens materiais e recusando-se a casar e ter filhos. A moda lolita é cara; itens de marca podem ir de cem a quinhentos dólares, e um outfit completo pode custar cerca de mil dólares. A moda começou nos anos 80, refletindo a afluência da sociedade japonesa criada pela "bolha econômica". Devido à jovialidade da moda lolita muitas garotas têm seus hábitos de consumo sustentados por seus pais, mas outras, na faixa dos vinte anos, têm de sustentar seus hábitos vivendo na casa de seus pais e usando seu próprio dinheiro à vontade, ao invés de viver uma vida independente. É possível, mas difícil, usar lolita sem gastar quantias exorbitantes de dinheiro; alumas garotas aprendem a costurar as próprias roupas ou escolhem comprar de marcas independentes ou mesnos conhecidas. Entretanto, a maior parte das meninas japonesas concorda que para ser aceita e respeitada por outras lolitas é necessário comprar algumas roupas de marca. Este aspecto do fenômeno lolita reflete a obsessão por marcas (famosas) que pode ser encontrada também em outros segmentos da cultura japonesa. Outros "solteiros parasitas" podem, por exemplo, comprar bolsas e jóias caras de marcas famosas. Como professor Masahiro Yamada, que cunhou a frase, afirma, em média, as mulheres perdem dois terços do seu dinheiro quando se casam. A ascenção dos "solteiros parasitas" não é surpresa para o professor de sociologia, que atribui esse crescimento à riqueza do Japão nos anos 80. Apesar da desaceleração da economia japonesa nos anos 90, parece que tanto lolitas quanto outros jovens japoneses descobriram uma forma de manter seus altos gastos e estilo de vida sofisticado.
À primeira vista a moda lolita parece não só ser uma rejeição das expectativas sociais em favor de uma vida luxuosa e livre de responsabilidades, mas também da homogeneidade da cultura japonesa. Até meados dos anos 1960, muitas mulheres compartilhavam um único ideal de beleza e mesmo hoje, a estética kawaii (meiga) é a mais difundida. Em contraste, lolita oferece distinção e individualidade fora da moda comum. Porém, examinando mais de perto, lolita tem uma natureza paradoxal em relação à individualidade no estilo. Enquanto é verdade que oferce diferenciação da moda comum, ela ainda mantém regras rígidas sobre coordenação e combinação de peças e estilos. Além disso, as roupas de marca são vendidas em apenas um ou dois tamanhos, geralmente pequenos e desenhadas para japonesas magras, baixas e com busto pequeno. Dessa forma na moda lolita há homogeneidade no estilo e aparência ao mesmo tempo que oferece uma oportunidade de sair da moda comum.
Enquanto as lolitas estão solitárias em áreas rurais, como mostrado em Shimotsuma Monogatari, as lolitas de Tóquio se reúnem em grupos em Harajuku, muitas usando outfits que combinam entre si. Essa forma e característica peculiar de grupo reflete o grupo maior da cultura japonesa e permite às pessoas se sentirem parte de um grupo ou subcultura mesmo quando não se adequam às normas.
Ao comparar a moda lolita com a cultura gótica ocidental é fácil encontrar semelhanças. Tanto os góticos como as lolitas se destacam pelo estilo marcante, pela rejeição das expectativas, valores e regras da sociedade, e pelo "desejo de escapar para outro mundo". No entanto, enquanto lolita incorpora a meiguice que pode ser encontrada no meio da moda, a moda gótica tem a intenção de não só rejeitar, mas de parodiar o meio da moda e bom gosto, se direcionando para a dicotomia entre beleza e repulsa. Além disso, enquanto lolita dá ênfase a inocência e pureza infantis, o que tende a ser expressado em doçura e otimismo, góticos tendem à morbidez, fetiche e pessimismo. Mesmo a gothic lolita, que compartilha como gótico ocidental uma fascinação pelas imagens religiosas e pela nostalgia vitoriana, ainda se fundamenta no étos (característica particular) da lolita que é o desejo por uma vida despreocupada, caprichosa, similar ao Rococó. Contrastando, os góticos enfatizam sua diferença do meio cultural ao buscar a tragédia e o "sombriamente poderoso", encontrando beleza no lado obscuro da vida. Estas diferenças significam que se alguém comparar lolita e gótico, ambos se diferenciam enormemente um do outro.
Lolita como moda e subcultura é facilmente categorizada como uma rebelião estática das meninas japonesas contra a aparência e funções esperadas pela sociedade. Mas arquivar o fenômeno desta forma é ignorar que, 20 anos depois de estabelecido o estilo, não só ele ainda existe, como está se expandindo além do Japão em boa parte por força da internet. Fóruns on-line existem para lolitas ocidentais para discutir moda, compartilhar fotos e até vender itens; um dos mais populares tem por volta dos 7000 membros do mundo todo. Devido a este interesse mundial, marcas como Baby, The Stars Shine Bright estão abrindo lojas em outros países (esta já tem lojas em Paris e São Francisco).
Além disso, lojas ocidentais de lolita têm maior variedade de tamanhos e formas aumentando o alcance da moda e estão se desenvolvendo, ainda que estejam longe do nível das lojas japonesas. Enquanto alguns adeptos da moda acreditam que a popularização desta vá gerar desvirtuações da moda, outros acreditam que isso vai ajudar a aumentar a disponibilidade de produtos e baixar os preços. Enquanto lolita pode ter começado como uma moda para moças japonesas que gostariam de se afastar da moda sexy, rejeitar espectativas sociais e viver em um mundo de luxo e individualismo dentro de um grupo de amigos afins, ela continuará a evoluir como moda e como estilo de vida amado mundialmente já que as mulheres gostam de se sentirem como princesas ainda nos dias de hoje.