Uma das ideias mais estúpidas que tivemos nas últimas semanas foi a de fazer uma trilha na mata à noite.
O fato de a decisão ter sido tomada depois de alguns shots não é justificativa, mas o passeio foi... interessante.
(Começo da trilha)
Passamos o feriado nesse lugar lindo, e as trilhas eram comuns. Até tomei banho numa cachoeira - a primeira vez da minha existência. Foi ótemooooo! Minha irmã e meu marido estavam junto de mim então foi um dos melhores passeios da minha vida.
Ganhamos bolinhos de chuva depois disso. Dormimos todas as noites ao som do Amado Batista, hahaha - nosso tio gostava de deixar o rádio ligado pra dormir. A gente sonhava com as músicas e acordava cantando.
Minha irmã tirou as fotos mais lindas. Ela tem talento, não tem?
(Entre as taquareiras)
O acesso até as antenas no alto do morro estava aberto:
(Meeedo)
Fiquei tonta só de olhar pra cima:
(Imagina consertar esta antena...)
A vista, maravilhosa:
(No alto da trilha, a lagoa ao fundo)
E o caminho, relaxante:
(Taquareiras no início da trilha)
Pretendemos voltar lá sempre que possível.
Bom, sobre a trilha à noite.
Começou assim: o tio (dono da casa) pediu caipirinha, e minha irmã preparou um copo especial. Só que o tio resolveu trazer as outras bebidas que tinha pela casa, pra mostrar como também eram boas. E aí vai, uma prova aqui, outra ali... "Vamos fazer a trilha agora, meia-noite!"
A noite estava clara, era dia 14 de novembro e coincidentemente a data da superlua. A propósito, estava linda mesmo.
Tínhamos voltado da cachoeira naquela tarde e estávamos cansados, a minha sogra já estava até de pijama. Só que daí meu marido se entusiasmou com os convites constantes do tio, e acabou que todo mundo aceitou. E eu olhei pros lados e pensei: Bom, eles vão ir e eu vou ficar preocupada se ficar aqui, então vou junto. Não sou eu que vou dar pra trás!
E o bando se preparou, haha. Vestimos as botas (que ainda estavam molhadas do passeio à cascata), aplicamos repelente e pronto. Só o tio tinha a lanterna e um facão. Eu levei uma daquelas pequenas com três leds, e era isso.
Escalamos o primeiro barranco, e a vó só balançou a cabeça lá da porta da casa antes de entrar e se trancar. Nós começamos a subir a trilha.
Até dava pra enxergar sem as lanternas, mas quando passamos pelas taquareiras e as copas das árvores cobriram o caminho ficou tudo muito escuro. Quase não dava pra ver nada além dos reflexos superclaros e brilhosos de algumas folhas no meio do mato que nos cercava. Foi sinistro. O contraste brincava com nossos olhos.
E o mais assustador, um cheiro forte e ruim nos seguiu desde que entramos no mato. Meu marido (sabe, o que se animou com o convite e levou todos nós a aceitarmos o passeio?), na segunda dezena de metros, ele falou: "A gente deveria voltar! Tá muito estranho esse cheiro!"
Eu enchi ele de tabefes. Todo mundo sabe que essa é a fala exata dos personagens nos filmes de terror quando tomaram decisões estúpidas e estão prestes a serem atacados por algum monstro ou alienígena que vai surgir do meio da mata.
O script estava perfeito até ali.
Aí ele virou pra trás e apontou a minha lanterninha pras árvores (aquela que ele já tinha arrancado das minhas mãos). "Olha! Alguma coisa branca se mexeu ali!"
Eu não queria ver o que era. Puxei ele pra continuar caminhando - o tio não esperava ninguém e seguia subindo a trilha com a lanterna maior. "Tem alguma coisa ali!" Meu marido repetiu, parado olhando pro mato em vez de fazer o mais sensato e continuar com o grupo (porque foi muito sensato a gente entrar no mato meia-noite).
Minha irmã e minha sogra estavam abraçadas como melhores amigas e deram um pulinho pra frente quando barulho de galhos quebrando ecoou bem onde meu marido apontava.
A gente correu pra alcançar o tio, que seguia sorrindo de orelha a orelha. Ele vinha contando como adora se embrenhar no mato sem qualquer ferramenta e ter o desafio de descer o morro e ver quem consegue retornar pra casa primeiro. Claro que a birita rola solta antes disso, senão nenhum dos amigos dele tem coragem.
Bom, nós caímos direitinho nos planos dele. Tenho certeza que se eu não tivesse levado a lanterna de três leds ele teria desligado a luz e ficaríamos no breu total.
Sim, ele é sádico dessa forma.
Certo, meu marido ficava apontando e querendo voltar pra ver o troço branco no mato. Eu dei mais uns tabefes nele. "Para de apontar isso! Caminha logo, estamos ficando pra trás!"
O grupo junto é mais forte (e o tio tinha o facão), então nós apertamos o passo e alcançamos os demais. O cheiro forte veio de novo, e a minha sogra disse que devia ser um gambá.
Não era o tipo de cheiro que eu esperava. Tenho quase certeza que na verdade era algum ser alienígena que fazia experimentos por ali e estava nos seguindo. Não lembro qual filme foi, mas diziam durante a abdução que sentiam um cheiro horrível.
Onça? Algum macaco raivoso? Que nada, eu estava era com medo de ET. (Veja o estado de consciência da pessoa!)
O fedor não era tão horrendo assim pra ser igual ao do alien do filme, nem tão nojento como eu esperava que fosse o de um gambá. Só que eu não queria tirar a prova. E a gente sabe que se não ver, o coração não sente. Então virei só pra frente e segui os outros.
Meu marido viu que estava ficando por último e disse. "Devemos ficar juntos!" E me abraçou. E eu digo: espertinho, ficar por último numa trilha à meia-noite não é a melhor posição no grupo. Sei por vivência própria.
Eu não queria ficar pra trás e ser a última da fila. E o meu marido muito menos. Então nós ficamos brigando pela penúltima posição até ele me abraçar e andarmos lado a lado pelo meio dos arbustos altos de guanxuma, já que não cabíamos os dois na mesma trilha.
Alcançamos o objetivo depois de subirmos por uns quinze minutos. A clareira tinha bananais de um lado e a mata fechada com a trilha do outro. Ao longe, via-se o cume do morro e a plantação de eucaliptos da fazenda vizinha. A lua estava mesmo brilhante, muito linda. E a lanterna do tio era muito potente, alcançava as copas dos eucaliptos a uns cem metros de distância.
Só que estávamos no meio da noite. Por mais forte que fosse, a luz do luar deixava muito à imaginação. E a gente empacou ali.
Estava interessante ficar na clareira, mas os vultos criados pela lua e as "imagens" nas árvores que o tio focava pra nos assustar estavam fazendo um bom trabalho. Era hora de voltar para a trilha e retornar pra casa. E NINGUÉM queria.
A minha sogra reclamou e pediu a lanterna pro irmão dela. Só que o tio negou. "Aí tu te assusta, sai correndo com a lanterna e todo mundo fica pra trás sem enxergar pra onde ir."
Olha, eu achei a lógica impecável, retirado o fato de ele nos levar ali bêbados à meia-noite. Concordei com ele.
Começamos a descer e eu descobri que o primeiro da fila na trilha é o lugar que dá menos medo. Foi tranquilo de caminhar para voltar. Acho que todos sentiram isso (e o cheiro ruim não apareceu de novo), então já estávamos rindo quando alcançamos as taquareiras que marcavam o início do trajeto.
Taquareiras, por sinal, fazem um barulho sinistro com o vento. Elas já são sinistras sem nada, mas com a meia-luz da lua ficam ainda mais assustadoras. Ah, e dizem que o Saci mora nelas. Foi tão agradável lembrar disso enquanto estávamos bem no meio do taquaral!
Aí veio a ideia da minha sogra: "Vamos dizer pra mãe que o Fulano estava aqui tentando nos assustar no mato." Fulano é o meu sogro, que ficara na casa dormindo.
Todo mundo concordou.
Era lindo, estávamos tomando as melhores decisões naquela noite!
Chegamos na casa e a porta estava fechada, como a vó fizera quando saíramos. Estava bem iluminado ao redor da casa, e as janelas tinham apenas os vidros fechados, então dava pra ver que estava tudo aceso dentro da casa também.
Só que a música estava ligada muito alta. Dava pra ouvir de longe a cantoria do Padre Marcelo - um dos cds tesouro do tio (eu juro, tem de tudo no acervo dele, Amado Batista era só o começo).
Nós batemos na porta, mas a vó não ouviu por causa da música. Meu marido é alto, então ele foi até a janela e balançou os braços pra que a vó o visse do lado de fora. Ele disse que ela estava dobrando roupas na sala e teve um sustinho quando o viu ali.
Tadinha.
Ela abriu a casa e disse que não sabia o que aconteceu, que a música que estava tocando quando nós saímos começou a ficar mais e mais alta e ela não sabia desligar ou baixar o volume. Ela queria ter desligado, porque o meu sogro (o Fulano) estava dormindo, mas não sabia mexer então deixou daquela forma.
Nós baixamos a música, contamos que foi tudo bem, e a minha sogra disse que o marido dela foi lá nos assustar.
A vó arregalou os olhos. "Como, se o Fulano estava dormindo antes de vocês saírem e não se mexeu até agora? Eu fui ali no quarto pra fechar a janela e ele tava lá, ferrado no sono!"
Todo mundo se entreolhou, escondendo as risadinhas, e continuamos a mentira, pra ver o que a vó diria.
Até que ela concordou e disse: "Bem que eu ouvi uns barulhos ao redor da casa. Mas eu vi ele dormindo o tempo todo. Não foi o fulano."
O quarto onde ele dormia não tinha porta, então era bem claro que ela não cairia naquela. Até que ela disse:
"Ah, então era a cumadre Bininha."
Ninguém sabia quem era essa pessoa. E a vó explicou: "Ela morreu aqui na casa."
Todo mundo parou de rir e encarou a vó.
"Eles nem tinham terminado a construção ainda. Ela estava doente. Era véia né, não tinha muito recurso naquela época, daí um dia ela disse que queria vir pra casa nova, passar uma noite mesmo que ainda não estivesse pronta. Eles vieram, dormiram, o cumpadre levantou cedo e passou o café. Quando foi chamar, ela não respondeu. Daí ele foi conferir ela na cama, e a mulher deu um suspiro sofrido e morreu."
Nós estávamos olhando pra vó, em choque.
"Depois eles venderam a casa." Ela terminou de contar, bem séria, com uma das mãos sobre a boca.
Aí a gente ficou assim, meio sem saber o que dizer, e o tio (o dono da casa) deu aquela risadinha dele sem graça. "Não era não. Era o Fulano, aposto que tá com a barriga toda arranhada de tentar pular a janela alta."
Mas a vó acreditou mesmo que era uma assombração que nos alcançou no mato,e já estávamos ficando com medo. Até que a minha sogra contou pra ela que era brincadeira.
A vó balançou a cabeça de novo. "O dia é pra gente. A noite é pros bichos. Não tem que tá indo no mato de noite!"
E nós, já sóbrios, concordamos e fomos dormir na casa onde a tal Bininha deu seu último suspiro.
Ainda bem que a vó não me contou isso antes, porque dormimos três noites lá, e na primeira eu ouvi respiração pesada pro lado dos meus pés.
Na hora, pensei: é a minha irmã, que está no colchão do chão.
Só que daí lembrei que o colchão dela estava pro lado da minha cabeça.
Puxei a coberta, tapei bem as orelhas e foi Ave Maria até dormir de novo.
Não demorou muito, mas o fato de o cd do Amado Batista do tio ter mudado pro do Padre Marcelo sem aviso e a música religiosa na sala ter entrado nos sonhos da gente não ajudou muito na plenitude daquele sono.
Minha sogra até achou que teve procissão na estrada de madrugada, porque a cantoria no meio da noite não era o que nenhum de nós esperávamos.
A minha irmã disse que dormiu cantando as músicas, haha.
Eu digo pra mim mesma que o que eu ouvi foi o eco do ronco da vó lá do outro quarto, oposto à parede de onde eu escutei a respiração alta. Só pode ter sido isso.
Era isso.
Sim. Eu me convenci.
E eu não sei se deu pra notar, mas eu tenho medo doentio de alienígenas. É ridículo, mas é como eu vivo.
No dia seguinte do nosso passeio no mato de madrugada, a vó veio contando que uma vez, quando ela ainda morava ali no morro, viu um moinho gigante no céu, que fez sombra sobre toda a casa e as árvores, e a enteada dela também viu. Não era um Zeppelin, não era um avião. Era algo imenso, com luzes, cor escura, textura parecida com madeira, que pairou por muitos minutos sobre o mato no quintal delas.
E eu pensando, Meu Deus, tem ET aqui nesse mato e eu fui lá de noite! Puta merda. Nunca mais eu bebo!
Voltamos pra casa no final do feriado, exaustos. Comemos churrasco durante os quatro dias da viagem e eu descobri que carne assada é coisa que não enjôa, o que enjôa é o preço dela.
Foi um passeio muito gostoso. Minha irmão superou parte do medo de aranhas depois de atravessarmos um bananal infestado delas e a coitadinha ainda ter que me dar apoio moral porque eu não suporto mato.
Andamos por todo aquele mar de aracnídeos, tomamos banho na cachoeira (só pra voltar e descobrir que o cumpadre estava bebendo a água nas corredeiras lá embaixo, enquanto nos esperava) e sei que a minha mãe estaria de queixo-caído, porque ela sabe que eu sou moça da cidade e a natureza me assusta.
É bom fugir da zona de conforto de vez em quando. Especialmente com botas e repelente.
Todo mundo adorou e voltaremos lá assim que der.
Da próxima vez, meu pai também será levado pra explorar um cantinho da mata atlântica. Espero que ele leve lanterna.
Ele vai adorar!