o lugar do morto - © direitos reservados ao autor
nelson d'aires o lugar do morto
é sobre esta estrada que quero viajar e que me ocupes o lugar do morto, esse nunca deve estar vazio, a morte não merece a nossa ausência.
nas horas onde o silêncio é apenas embrião, aproveitarei para escrever, metro a metro o texto dir-me-á o quanto estou perdido e distanciado do amor. e se os corpos são mapas, peço-te para fechares bem o teu, não me deixes chegar ao amor antes do tempo.
preciso de saber qual o preço do amor. ouvi dizer que é na periferia das estradas onde os homens compram às prestações o amor que não têm. quero beijar o rosto de quem vende semelhante acto de caridade. quero lavar os pés a quem espera no pó suspenso da estrada os viajantes que não conhecem o amor.
parar apenas para urinar e perguntar o nome das localidades onde queimamos as sementes com o nosso mijo. nesse lugar pernoitar e no meio da noite erguer o nariz e sentir para que direcção o vento derrama o nosso cio. dormir.
pela manhã sentir a erecção do meu sexo a estroncar-me o sono, e como um animal à procura do seu adormecimento, partir.
(viajar no lugar do morto tem as suas vantagens. não se é de ninguém e no entanto alguém cuida de nós. põem-nos em movimento. a mobilidade atrasa a decomposição da carne.)