o lugar do morto - © direitos reservado ao autor
nelson d'aires hoje chove meu amor. esta água que ainda é muito pouca vai apertar a terra onde estou enterrado. mas não faz mal minha querida, eu não preciso de mexer os ossos e a carne, essa, já serviu de alimento às larvas que cresciam dentro de mim.
apenas quero dizer-te que toda esta água, que ainda é muito pouca, vai fazer com que a erva cresça nesta campa e com ela algumas flores daninhas que me farão companhia quando a terra começar novamente a secar.
sorrio, parece que te ouço dizer para eu despir-me, descalçar-me e ir receber a chuva. é verdade? sabes bem que o mar pertence aos gritos dos náufragos, e daí de onde estás até aqui onde estou, os náufragos são muitos e todos eles gritam por terra. mas eu meu amor, sou um homem com sorte, a terra já me pertence. e agora que o frio vai descer pelos ramos das árvores até cair maduro sobre o manto de folhas mortas, dou graças à chuva que vai apertar a terra e assim aconchegar-me para as longas e desertas noites de inverno.
agora deixa-me só afastar um pouco estas raízes da minha boca para te beijar os pés e desejar-te boa noite, meu amor.