Só um fragmento de um todo. Bastante introspectivo, mas não necessariamente de minha própria consciência. Pode parecer levemente incoerente para alguns, acredito. Talvez tenha sido proposital.
Não sei se vai fazer algum sentido para alguém além de mim.
Ainda assim, quero postar para que não se perca por aí como aconteceu com tantos outros textos que escrevi.
Estorvo
O rapaz sentou na pedra e, respirando fundo, pô-se a pensar em sua vida.
Eu sou um estorvo.
Fora a definição imediata que lhe veio à mente quando tentou puxar pela lembrança a maneira como costumava se definir em seu íntimo.
Um total incômodo na vida daqueles que pra mim são mais importantes.
Pôs uma mecha de cabelos atrás da orelha e olhou para o céu nublado. O vento cortante agitava as poucas folhas - que em vão tentavam resistir à severidade do inverno - das árvores que rodeavam a clareira onde se encontrava. Ultimamente esse era o seu lugar favorito; era convenientemente próximo a sua casa, calmo e consequentemente ótimo para se meditar.
Afirmações tristes não deixam de ser verdadeiras, por mais que muitas pessoas encarem a tristeza e o sentimentalismo como besteira, idiotice até. O fato da tristeza ter virado modinha não faz dela menos dolorosa e, por mais que muitos critiquem cada vez mais os que se entregam a esse sentimento, não acredito que os depressivos sejam inteiramente fracos.
A pedra gelada pareceu dar um choque quando seus dedos desnudos a tocaram.
Não sou fraco. Não para tudo, ao menos disso tenho certeza. As pessoas até costumam dizer que sou forte, mas isso também não acho que sou. Sou um pouco de ambos e no fim das contas não sou nada, sempre fui medíocre nos mais diversos aspectos de minha vida. Se isso me incomoda? Às vezes, mais pra menos do que pra mais, nunca gostei de me sobressair muito, chamar muita atenção exige mais da gente. E nem acho que vida boa seja aquela que é vivida com toda a intensidade, passando por cima de tudo, esticando até onde der o seu limite. Pra mim, vida boa é a vivida com conforto, em plena sobriedade, conforto não apenas em relação ao que você é, mas também ao que você faz e espera da vida. Até porque, testar limites sempre não traz satisfação a todos.
Seus olhos fixaram-se nas formigas que trabalhavam harmoniosas, carregando folhas verdes, andando apressadas em uma fila extremamente organizada, seguindo a rota sabiamente estabelecida para que o todo possa funcionar sem grandes problemas para o grupo.
Inveja.
Não posso dizer também que sou um ser triste e incompreendido, no geral sou até feliz, mas me incomoda perceber que algumas das pessoas mais próximas se irritam tanto com a tristeza dos outros, quase como se dissessem que a tristeza alheia é desnecessária. Pessoas ficam tristes e alegres por motivos diferentes, ninguém é obrigado a compartilhar a tristeza dos outros, mas respeitar é o mínimo que se pode fazer, certo? Não posso dizer que nunca errei nesse sentido, mas bastou perceber que eu sentia receio em dizer que estava pra baixo para que eu entendesse o quanto as críticas podiam intimidar uma pessoa. E eu sou facilmente “intimidável”. Por mais que tente, não consigo encarar críticas muito bem, tenho consciência de que preciso melhorar isso, mas até o momento em que eu conseguir esse feito as críticas vão continuar a me machucar profundamente. E me chame de sentimental e entorte o nariz pra mim quem quiser.
Levantou-se e começou a caminhar em círculos.
A desordem dentro de sua cabeça deixava-o inquieto. Notou que seus movimentos também estavam desordenados ao tropeçar duas vezes quase no mesmo instante.
Agora, voltando ao assunto do estorvo... Detesto me sentir assim, mas por mais que dê voltas sempre acabo retornando a isso. E detesto não saber o que fazer para mudar essa situação. Queria conseguir mudar radicalmente, queria conseguir ser mais igual às outras pessoas, mas de certa forma isso tem se mostrado cada vez mais improvável. Se eu continuar assim, sei que acabarei completamente sozinho, impossível que meu fim não seja esse quando até as pessoas que mais prezo começam a demonstrar impaciência e intolerância ao lidar com meu jeito de ser. Em contraponto, se conseguir mesmo mudar tudo o que acho que preciso mudar para fazer com que as pessoas voltem a gostar de mim como um dia já gostaram, deixarei de ser eu. É duro ver que o que é a minha mais pura essência precisa sumir para que eu consiga me sentir, nem que seja um pouco, parte do todo.
Por um instante, teve vontade de correr por entre as árvores altas, quis sentir o frio cortante do vendo tocar seu rosto com mais intensidade, estimular seu corpo como estava estimulando sua mente.
Mas continuou parado. Apenas continuou encarando as árvores.
A admiração que anteriormente eu via nos olhos de alguns acabou por se tornar algo quase parecido com pena, o amor vistoso e perceptível não passa de um leve e acomodado carinho para alguns ao passo que outros não conseguem sequer ir muito além do aturar.
Sentou-se no chão, olhos ainda fixos nas folhagens verdes que dançavam ao vento. Sabia que a terra úmida sujaria sua roupa, mas não se importava.
Sinto que ninguém mais precisa de mim. Não que alguém realmente tenha precisado algum dia, e também não é como se eu não soubesse que isso aconteceria, mas ainda assim machuca. Dói ver que a vida se resume cada vez mais a obrigações enfadonhas e que as pessoas que amo estão cada vez mais distantes.
A luz estava fraca, bloqueada pelas nuvens, o dia já parecia estar no fim quando estava apenas começando.
Talvez eu devesse também procurar outras pessoas para amar, mas nesse sentido sim eu sei que sou medroso, morro de medo de amar demais e não ser correspondido, ainda mais de amar e logo ser esquecido por quem um dia me amou.
Um som lhe chamou atenção.
Virou-se rapidamente buscando o intruso que vinha pisando nas folhas caídas de forma tão pesada e descuidada, interrompendo seu transe mental.
Mas não o parando. Nada nunca parava seus pensamentos. Nem ele mesmo.
Erro meu pensar que amor fraternal poderia se equiparar a amor romântico, erro meu por pensar que eu era tão importante na vida das pessoas que para mim, ainda hoje, são tão essenciais, erro meu por achar que as coisas não mudariam, por achar que só porque estava bom para mim estava bom para todos, erro meu por pensar tanto e acabar sofrendo antes mesmo de experimentar a dor, erro meu por ser forte, fraco e nenhum dos dois ao mesmo tempo.
- O que está fazendo aqui sozinho? - Questionou ela, surpresa.
- Nada. - Respondeu com um sorriso, já começando a se erguer.
Erro meu, acima de tudo, por ser um grande inconveniente na vida dos que, apesar de tudo, nunca vou deixar de amar.
Olhou-o com desconfiança.
- Algum problema? - Aproximou-se com cautela. - Parece triste.
- Triste não. - Foi rápido em responder. Com tapas tentava tirar o máximo possível da crosta de areia negra que havia grudado em sua calça jeans. - Pensativo.
- Pensando coisas boas ou ruins? - Quis saber com um risinho arteiro.
Ponderou a resposta por uns instantes.
- Ruins, pra ser sincero. - Suspirou admitindo. - Mas penso no ruim tentando entender certas coisas, na esperança de ver o lado bom. - Completou ao ver que ela havia o olhado surpresa, quase sem entender sua afirmação. - Dá pra entender?
- Não mesmo. - Respondeu de imediato, já rindo. - Você é muito complicado.
- Sou bem mais simples do que gostaria de ser. - Retrucou. - Só finjo o contrário.
- Você é bom em fingir, então.
- Sou péssimo. - Constatou em tom irredutível. - Mas as pessoas são boas em acreditar naquilo que querem.
Parou de sorrir abruptamente, olhou-o nos olhos.
- Isso seria uma indireta?
- Uma direta, minha querida, mas não especificamente para você. - Assegurou com sinceridade. - E não precisa ficar cismada, não digo isso com maldade alguma.
- De vez em quando, - ela cerrou os olhos. - Tenho a ligeira impressão de que você não gosta de mim.
Riu alto.
- E não somos todos iguais? - Questionou mais a si mesmo do que ela.
Por Danielle P. C. (Molki)