May 09, 2009 23:59
Parte 1 - O Início Contado Pelo Meio
Ele era charmoso e naturalmente sedutor.
Devia contar aproximadamente trinta e três anos. Altura mediana, em torno de um metro e setenta e cinco, e peso ideal. O físico não denunciava visitas assíduas à academia, mas era firme e bonito. A pele aveludada era de um tom marrom chocolate, com um toque dourado do sol do final de semana. Os cabelos eram castanho escuros, lisos e bem cortados, desalinhados de modo a lhe dar um aspecto desarrumado. O rosto era de traços harmoniosos, nada muito marcante ou fora do comum, mas era o sorriso a sua marca registrada. Vinha largo e rápido, com a mesma facilidade com que contava uma piada.
Eu achava que eu era a última pessoa que ele escolheria olhar. Quando que ele, um homem tão bonito, inteligente, cheio de vida e sorrisos, escolheria a mim, uma mulher-menina ainda sem o domínio das artes da sedução? Eu bem que já conseguia arriscar um charminho aqui e ali, mas nada que chamasse a atenção de um homem como ele.
Mas para minha surpresa, um dia ele entrou na sala de aula e eu fui a primeira pessoa que seu olhar encontrou.
Seus olhos estreitos e escuros eram cheios de expressão e me davam a impressão de conseguirem ler pensamentos. Por isso desviei os meus olhos dos dele, rapidamente, como se tivesse sido pega em flagrante nos meus devaneios mais íntimos. Logo em seguida, me senti um pouco ridícula.
Mas o que é um simples olhar? Ora, eu estava sentada na primeira fileira de cadeiras, minha figura no caminho de qualquer um que adentrasse a sala. Era normal que eu fosse alvo de um primeiro olhar desavisado. Pensando assim, tentei relaxar e me ajeitar em minha cadeira. Abri o caderno e me preparei para o início da aula.
Como de costume, ele fez algumas piadas antes de começar seu trabalho de professor. Piadas das quais eu quase não consegui rir, tão constrangida que ainda me sentia, mas a sala toda riu e brincou. Na verdade, era isso o que fazia dele um professor adorado não apenas por todas as moças da turma, mas também pelos rapazes - sua descontração e o modo direto como que explicava as questões fazia todos desejarem que fosse ele o designado para ministrar todas as nossas aulas de Direito.
A aula teve início. Neste momento suspirei ao lembrar que havia esquecido meu MP3 em casa e que por isso não poderia gravar aquela aula. Eu gravava as aulas dele não para estudá-las depois, mas apenas para guardar o som de sua voz e rir novamente de suas brincadeiras. Era como tê-lo por perto, nem que fosse só um pouquinho, em qualquer momento que eu quisesse.
Foi assim que, das seis e meia da tarde até as nove e quarenta e cinco da noite, meu coração bateu mais feliz. Fui ao céu toda vez que ele descia do tablado e se colocava à minha frente para folhear meu caderno e meu livro; mal consegui ler em voz alta quando ele me dava a chance; e fiz um enorme esforço para que meus olhos não fugissem dos dele toda vez que ele me olhava, perguntando se eu havia entendido sua explicação. Mas tive meus momentos menos felizes também, quando ele olhava para outra aluna ou quando ele sumiu durante os quinze minutos de intervalo para o lanche.
Na hora de ir embora, me demorei mais um pouco, mas não consegui demorar o suficiente para deixar a sala esvaziar e sair junto com ele. Acabei seguindo para a saída na esperança de que ele me seguisse. Isso quase aconteceu, mas alguém se colocou na frente dele - provavelmente outra aluna - e isso o fez se deter. Era, além de ótimo professor, muito gentil e jamais se recusaria a responder uma pergunta de fim de aula, por mais boba que fosse.
Mas não importava. Deixei a sala de aula sentindo-me com saldo positivo. Sentia algo que não tinha muita lógica, mas era algo que me dizia que ele gostava de me ter sentada tão perto durante sua aula; que seus olhos procuravam muito mais os meus do que os de outra aluna qualquer durante uma explanação; algo que me dizia que ele começara a sentir... algo.
Ao deixar o edifício, olhei para trás, ainda na esperança de vê-lo. Suspirei. Ele ainda estava na sala. Nossas aulas contariam um total de dez e aquela já havia sido a sétima, só deixando restar mais duas pela frente. Tão pouco tempo para que alguma coisa mais especial do que simples olhares acontecesse...
Balancei a cabeça e apertei minha pasta contra meu peito, tomando o rumo do metrô. Mais um fim de dia voltando sem a companhia de quem eu mais queria.
Bem, meu nome é Anne Júlia e eu acho que estou apaixonada pelo Fabio, o meu professor de Direito.
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