May 17, 2004 19:01
Este fim de semana consegui riscar mais 2 coisas da minha lista de resoluções de ano novo, cuidadosamente apontadas num dos ‘skines.. não eram das mais fáceis de cumprir e fazia já algum tempo que não via essa listinha de indicações e promessas feitas numa altura que parece já tão distante, ainda que tenha passado tão depressa. Cheguei a duvidar da utilidade de uma “lista de resoluções de ano novo”, porque verdade seja dita, com o passar dos meses vai-se perdendo a energia e a pica, e aos poucos esquecemo-nos do que é que imaginámos para nós, e é fácil nunca chegar a fazer tudo ao que nos propusemos..
Acho que nunca cheguei mesmo a acreditar ser capaz de acabar o ano com essa lista toda riscada, mas também nunca foi essa a intenção. Por vezes precisamos de nos lembrar a nós mesmos no que acreditamos e no que queremos ser e fazer. Não devia ser assim, mas é. Neste momento, vividos já 5 meses deste ano que terá sido dos mais complicados da minha vida, percebo que apesar de tudo consegui construir muitas coisas e aproximo-me a passos largos de conseguir alcançar outras. As resoluções estarão cumpridas a 25%, o que parecendo pouco não o é..compensei umas que não resolvi com outras que nem sequer estava à espera de ver resolvidas. Faltam muitas coisas, é um facto. Talvez tenha sido optimista demais, ou exigente, ou utópico. Tanto faz, não importa. O que me interessa é ter percebido que quase tudo é alcançável, e na maior parte dos casos a parte mais difícil é “querer” mesmo isso. Depois o resto vem por arrasto. Sobram-me páginas e páginas de traços incompletos e escassos por preencher, mas ainda há muito tempo e muito a ser feito. Estou confiante, e sobretudo, começo agora a sentir a energia que precisava de ter sentido mais cedo para me desligar de certas coisas, mas nunca é tarde de mais, e cada minuto que passa pode ser o instante em que nos decidimos a alterar tudo.
Na passagem do ano, em viagem solo pela Costa Alentejana, comecei a filmar uma cassete de super8.. 45 pés de película que a 18 frames por segundo dariam para uns 3-4 minutos. Na altura pensei até quando duraria aquela bobine..
No meu entendimento da coisa, como que a avaliá-lo desde já, mesmo sem ainda ter terminado, este “ano” dividiu-se em 2 “anos” - 2 fases, 2 períodos completamente distintos.. De Dezembro a 12 Maio (estranhamente e coincidentemente o dia em que “nasci”, há 26 anos atrás, e de novo estes dias..). Esse foi o meu “início” de 2004, mas esse período terminou há dias. Acabou dia 11, que terá sido um dos piores dias da minha vida, a altura em que finalmente bati no fundo do poço. Escrevo “finalmente” não porque o ansiasse, mas porque por várias vezes pensei que mais baixo não desceria..apenas para perceber que estava enganado, e que ainda havia que descer mais até poder começar a subir de novo. Dizem que tudo funciona por ciclos, e depois de uns 8 anos sempre lá em cima houve que descer, bem cá abaixo para poder ser capaz de perceber o valor que há em estarmos bem, connosco, com os outros, com o mundo. Aos poucos devo ter deixado de saber estar assim.
Chamava-lhe a “teoria da montanha russa, desenvolvida por mim na inocência e ingenuidade dos 17 anos muito bem vividos - se se estivesse sempre “lá em cima”, por muito alto que fosse deixaríamos de nos apercebermos da altura a que estavamos. O que nos permite apercebermo-nos das subidas são as descidas. São com elas que podemos voltar a subir.
Dia 12 de Maio. O dia da mudança. Depois de uns meses muito bierghs, calhou logo neste dia. Nem precisei de fazer nada. Não combinei nada, não me apeteceu ver ninguém, ignorei os convites e as mensagens. Tudo o que fiz a meio da tarde foi assim do nada ter dado por mim e estar a caminho do Guincho, com um italiano e um brasileiro -os 2 de passagem por Portugal - e passar uma tarde igual a todas as tardes que passava há anos atrás. Chegar à praia, fazer uma corrida com a pulga até ao mar, atirar-me para a água gelada e sentir-me a revitalizar, a renascer, aos poucos e poucos. Já era tarde e tínhamos todos pessoas à espera em lisboa, mas esquecemos todos os compromissos e fomos-nos perder na minha serra de Sintra.. nos trilhos, nos caminhos, nos miradouros desconhecidos e inacessíveis, nas sombras das folhas e das árvores e nas luzes mágicas e coloridas que sempre se mostram naqueles lados quando as nuvens facilitam. Os 2 “giri” ficaram encantados, mesmo já tendo ambos ido a Sintra..mas à Sintra das visitas turísticas e apressadas, a Sintra dos travesseiros e dos autocarros apinhados de turistas ávidos de magia e fotografias, uma conjugação rara.. E pronto, depois foi ter sentido todas as marés e astrais a mudarem, aos poucos, desde aí até hoje, em todos os instantezinhos e em todos os pormenorzinhos, quase insignificantes e imperceptíveis, se não fossem tão sentidos e encadeados: o IC19 em hora de ponta quase deserto, a entrada em lisboa às 7 da tarde e o chegar ao Bairro, tudo sem trânsito. O lugar à porta de casa, o eléctrico parado para arranjos (o que quer dizer lugares para todos’8), o jantar que sem ter sido preparado acabou por juntar todo um conjunto de pessoas que tinham mesmo de estar lá, as bebidas, as conversas, os amigos que merecem essa adjectivação mesmo depois de meses desligados uns dos outros.. E claro, a jantarada, a casa nova cheia de bebidas por todo o lado, a inauguração quase não-oficial da mesma, seguida de uma soirée muito muito cool, assim em jeitos de a fazer as pazes com o mundo..
E foi aí que, quando já não pedia mais nada, acordo (sem ressaca!!!) no dia seguinte, e depois de ir desempanar um carro do padrinho que tinha ficado apeado por aí sem bateria..depois de arrumar o caos em que ficou a casa.. depois de passar no estúdio para as tarefas do dia-a-dia, depois de uma almoçarada às 4 da tarde e depois de umas conversas meio na brincadeira, heis que se resolve ir-se a barcelona! ‘:))
Nunca consigo explicar toda a significância que Barcelona tem para mim. Calhou conhecê-la noutra altura de grandes mudanças, e desde essa primeira vez, alcançada a hacer dedo en autostop, numa outra fuga “away is the way”, sempre que lá voltei (e foram umas tantas vezes) coincidiu com fases de grande mudanças..umas boas, outras nem por isso, mas sempre senti que era uma casa, uma cidade de sonhos em que me senti em casa desde os primeiros 5 minutos em que nela estive. E sem sequer ter dado por isso passaram-se 2 anos em que só a vi em sonhos e saudades. Dois anos!, quando houve tempos em que nem 2 meses conseguia passar sem por lá passar..
Mas esses 2 anos de interregno acabaram, ali sentado no Baliza, quando alguém se lembrou de disparar: - Então, vamos a Barcelona ou não? Hoje?? ‘;)... ‘8)
Depois do sorriso imediato, foi hesitar, durante uns segundos, uns minutos.. pensar na quantidade de coisas que cada um precisava de tratar antes de podermos zarpar. Demorou-nos 7 horas, passadas a correr de um lado para o outro, em visitas, reuniões, compras, mecãnicos, despedidas, jantares, reuniões, cafés, banhos e sacos a serem feitos em 5 minutos. À meia-noite estavamos todos dentro de uma carrinha polo velhinha, chamada “Boguinhas”, com garrafas de vodka, muitíssimo pouca roupa, 4 sacos-cama, uma bola de espelhos daquelas das discotecas pendurada no retrovisor, pólen que deu para fumar até chegar a Elvas, e fora isso, 4 pessoas, cada uma a ir lá por uma razão diferente, a viver a sua viagem, à sua maneira...
Não consigo, por mais que me apetecesse, narrar o que foram estes 3 dias, desde 5ª feira *a media-noche até ontem às 7 da manhã. Esta viagem devia ter o adjectivo «inarrável» agarrada a ela desde os primeiros quilómetros. Foram 80 horas que garanto, houve alturas em que me souberam a 1 ano inteiro, passado em Erasmus, em viagens, em tripanços, em filmes muito marados.. A fazer parte da história, umas 5 casas em Barcelona, cada uma mais gira e numa zona mais louca de barcelona que a outra.. mais as pessoas: argentinos, chilenas, argentinas, brasileiros e brasileiras, italianas, catalães, alicantinos e gironeses, franceses e francesas, finlandeses, e claro, portugueses. No meio de uma barcelona que já recebeu o Verão, e que recebe agora um Fórum, e que recebeu um Carlinhos Brown com 400.000 pessoas na rua. Mais jantares, banhos trocados, pequenos almoços caseiros de pão com tomate e azeite, uma exposição de uma amiga sobre os refugiados marroquinos, milhões de passos e passeios, milhões de sorrisos e risos, milhões de palavras trocadas em 3 ou 4 línguas, umas tímidas horas de sono, muitos bares, um deles clandestino, um episódio surreal num corredor medonho do metro a comprar erva (num saco plástico tipo supermercado!!!) a um dealer com mais 2 brasileiros, num encontro combinado por tlf minutos antes.. mais uma projecção de slides numa casa-festa apinhada de erasmus no bairro gótico, uma jantarada surreal com 8 pessoas completamente esfumadas de skank num restaurante indiano em Raval, mais 1001 encontros e desencontros, pneus furados, multas e viagens alucinantes com um taxista louco.. E, para mim, um dos momentos altos desta viagem: os quiilómetros que fiz a andar numa pasteleira daquelas que travam quando se pedala para trás..daquelas que tinha experimentado em Amsterdão e Paris (com resultados desastrosos).. e foi também o fazer as pazes com elas, e ter-me deixado ir, na bicicleta do Gaston, pela minha barcelona fora, a surfar nas “calles” com a cabeça e o corpo a uma altitude de 1000 e tal pés..enquanto os meus camaradas de viagem resolviam as vidas e as cabeças deles.. e eu resolvia as minhas.
E pronto, depois foi voltar, com despedidas e despedidas a empatar tudo, e sair Diagonal fora, rumo a Lleida, Zaragoza, Madrid... com a certeza na cabeça. Aquela certeza, de que tarda nada estamos ali de novo. E lá está, os mesmos 1300 kms, desta feitos em sentido contrário, mas já com tudo tão diferente para todos..
No final de tudo, a viagem de regresso. As mesmas 4 pessoas no mesmo carro, a perder óleo, a parar de hora a hora nas estações de serviço.. as mudanças de condutor, de óleo, de roupa e de lugar. Os bocadillos deprimentes dos cafés da beira-estrada, o calor abrasador das 5 primeiras horas, e o frio e o desconforto das outras todas.. mais as conversas, esse último reduto do entretenimento automóvel, quando se circula num carro que não passa dos 110km/h e que não tem rádio. E claro, o ver o sol a atirar-se horizonte abaixo, mesmo ali ao pé, e a chegada da noite, e com ela os tempos de balanço, das nossas viagens e das nossas vidas.
É estranho, acorda-se num sítio, desliga-se do outro. E o tempo continua, como sempre, a correr à velocidade que bem entende. E o meu balanço não podia ter sido mais positivo: percebi que chegou a altura de começar a mudar, de começar a subir. Fiz as pazes com partes do meu passado que teimavam em não em passar. Descobri muitas partes de mim que tinha deixado em barcelona, e que aos poucos, em 2 anos, me fui esquecendo. E descobri muitos futuros, e isso deu-me forças, revitalizou-me e encheu-me da energia que preciso para daqui a um mês ter tudo o que preciso organizado e tratado, para dia 20 de junho poder ser outro marco na minha vida e neste ano de transições.. o dia em que os sonhos se começaram a tornar palpáveis e em que dei por mim com um bilhete de avião na mão rumo a madagáscar, com a mochila cheia de comprimidos e rolos e máquinas fotográficas e cassetes de vídeo, e a cabeça cheia de sonhos e ideias e ideais...
A ver vamos, por agora guardo o bilhete no meio da tralha toda, e espero pelo visto no passaporte e por todas as outras coisas que deixarei de esperar daqui a um mês. Yep, se calhar o ano não vai ser assim tão mau como pareceu a olhar para aquele primeiro amanhecer na Carrapateira, há uns meses e muitas resoluções atrás. ‘8)
[Engraçado: não fumava skank há que tempos.. a ansiar por erva há tanto tempo, depois de meses a fumar baseados compulsivamente, sempre a encher a cabeça.. e agora que tenho uma caixinha cheia dela, nem sequer tenho vontade de a ir rebentar...]
last note - combinámos ontem, a uns 300kms da fronteira: agora que estamos todos cheios de outras coisas, vamos ficar 2 semanas sem fumar!! ..risos.. cheira-me a resolução daquelas que nunca se riscam, mas pelo menos é bom ter ali aquilo tudo (ainda não a dividimos e fui eu que fiquei encarregue de a guardar) e ainda nem sequer me ter passado pela cabeça fumá-la!! ‘8)
I’m cool now, let’s go easy from now on. Away’s the way*
..ahh, acabei ontem a bobine de super_8 '8)