Lisboa - Tram 28Cargado originalmente por
f0ff0Amo Lisboa. Amo a minha Lisboa. Aquela que eu decidi percorrer praticamente todos os dias - uma construção que não é uma invenção, mas tão-só uma selecção filtrada do todo real. A Lisboa do Tejo, das colinas, dos bairros velhos e históricos, em parte decadentes e sem jeito, por outro lado rejuvenescidos e coloridos, e essencialmente tão mundialmente únicos. A Lisboa do comércio tradicional. A Lisboa da permanente luz e clima ameno. A Lisboa-casa.
Mas esta mesma Lisboa é a Lisboa real, pobre e low-profile, com a qual eu não sei lidar e, mais que isso, paradoxalmente me mata. Julgo que ser-se humilde não implica ser-se escravo nem submisso. Muito menos implica ser cabisbaixo e na pseudo-intimidade das suas quatro paredes energicamente falar mal e invejar o próximo. Ser-se humilde não implica abdicar dos sonhos e da vontade de viver. No entanto, aqui, tudo isto parecem ser condições necessárias de vida. As pessoas petrificaram na sua tristeza; orgulham-se de um fado cultural, que mais que tudo é, desculpem-me, uma predisposição emocional vitimizante deplorável. Desresponsabilizam-se da sua vida, à qual chamam sorte (ou mais azar), e afundam-se em ignorância e medo do diferente e do risco.
Posso também reconverter todo este discurso num manifesto dito hipstérico. Eu amo toda a ligação emocional que tenho a esta cidade, mas... mas sou incapaz de viver numa cidade que praticamente ignora o rock: onde não existem quase nenhuns bares ou clubes de rock, seja para beber um copo, seja para ir a concertos, seja para ir dançar, seja para fazer os três-em-um. Onde existem apenas três categorias no que mais se poderia aproximar do perfil que busco: música comercial do senso comum de tod@s (seja qual for o género), música radarzíssima (hello Roterdão ou festival Alive), ou música quase-erudita para nichos (hello ZdB). Não critico a existência de tais locais, até porque, comprovadamente, demonstram ter solidez e público para seguir em frente. Contudo, só isto? Serei a única desintegrada do rock? Ave Barreiro Rocks, que não é à toa que designo por melhor festival português. Ave Indie Rock Bar (apesar de não entender muito bem aí a colocação da denominação "indie", mas pronto), por muito pequeno, manteve-se e cresceu fora de portas. Ave Wonderlands e Maria P. Mas falta a estruturação de um circuito. Com concertos de jeito mais frequentes e cooperativismo mais forte para que mais eventos e mais espaços possam acontecer (e ainda assim, como não quero parecer injusta, admito que nos últimos anos a tendência foi mesmo no sentido positivo, felizmente).
Até me posso repetir à exaustão e dizer que não consigo viver num sítio onde os Black Angels não vêm tocar, nem os Brian Jonestown Massacre, nem os A Place to Bury Strangers, nem os eu sei lá. E vá lá que os Dandys tiveram um mega hit comercial com a Vodafone, senão nem isso.
Ainda conseguia viver num sítio sem Phillip Lim, faz algum sentido, convenhamos, mas sem Swedish Hasbeens ou American Apparel? Ou onde a entrada da VICE se deu já na sua decadência em estado de chiclete? É ridículo e é desesperante como aqui quase tudo acontece às custas do que vemos lá fora pela Internet e pela TV/rádio especializadas, mas nada cá nasce. Ficamos felizes por ter acesso, uma janelinha hitchcockiana. E, na melhor das hipóteses, importar e consumir fora de horas (se bem que, como aqui não se passa nada, até parece que é algo muito inovador), mas nada de criar e de ter algo com a sua base aqui.
A falta de dinheiro não é desculpa para tudo. Os putos do rock não vêm de moradias e apartamentos de luxo da Lapa. Ya, desculpem lá, o Casablancas não é mesmo do rock.
E eu, contrafeita, acabo por querer voltar a sair, porque quero continuar a sonhar e a fazer parte de um mood criativo, ainda que imediatamente só nas cabeças e não na prática, mas pelo menos creio que é desse exercício constante que vem a força e a motivação para seguir em frente e fazer algo para tornar o mundo um pouco nosso. E aqui morro-me. Morro-me em tédio, morro-me em desintegração, morro-me em solidão, morro-me de desesperança por sentir que cresci e vivo num canto esquecido, sem oportunidades, nem vontades, nem quereres, onde o possível é reclamar quotidianamente contra uma vida normativa que quase tod@s acabamos por adoptar. Precisamente o que, em parte, faço agora aqui.