Aug 12, 2010 22:14
«- mas tu não ouves esta música? - perguntei.
- ouço. mas não ainda, como tu. hei-de ouvi-la sempre, suponho.
- mas não és crente, tu.
- se o fosse, não a ouvia, suponho. os que estão dentro não a ouvem: cantam-na. a terra não se conhece a si própria.
- terás tu... terás tu achado o que procuro? ...essa superação de todas as angústias, de todas as dúvidas? terás tu visto o absurdo e o milagre, e ficado tranquilo?
- não sei o que queres dizer. mas tenho a certeza de que não achei o que procuras. porque, se tu procuras, só tu podes achar.
(...)
era-me difícil falar no meio daquela algazarra. Eu mal ouvia tomás; e um sorriso de ternura para a sua serenidade, para aquela impossível instalação na vida com o silêncio dos campos ou o estrépito das crianças, começava a abrir em mim e a desarmar-me. tomás era de um mundo diferente. mas somente a sua confissão de evidência harmoniosa me intrigava, me excitava. teria ele atingido o cimo inverosímil que eu sonhava existir como limite indistinto da minha busca sufocante? seria ele a prova concreta de que esse limite existia? ter-lhe-ia aparecido a evidência da plenitude num mundo desértico, com rastos profundos de tantas vozes mortas?»
Ferreira, V., Aparição
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