João-de-barro

Sep 23, 2010 09:36



Eram mais ou menos nove horas da manhã. Despertei com o sol batendo forte na minha janela e ao colocar a cabeça para ver como o dia estava, escutei um passarinho cantar. Eu sempre procuro de onde vem o canto quando escuto, e avistei, em uma árvore, um passarinho marrom, pouco maior que um pardal, mas tinha o peito e o “papo” claros, quase brancos, com o rabo avermelhado. E cantava lindamente. Não era um canto de pássaros cantores, mas parecia ter um quê de satisfação. Notei, ainda, que algumas pessoas se aproximaram dele e que o observavam bem de perto. E ainda sim ele cantava.
Passei a observá-lo pelos dias que se seguiram. Logo descobri que era um João-de-barro. Não que eu saiba muito sobre um, mas foi fácil adivinhar quando vi a casinha que ele construía. E foi o que mais me chamou atenção. Observei-o durante pouco mais de duas semanas, indo e voltando, quase que todo o tempo, com pedaços de capim e terra no bico, construindo firmemente sua casinha. Havia outro passarinho junto deste, creio que formavam um casal embora não soubesse distinguir qual era qual. Após essas duas semanas, no ponto onde dois galhos grossos de uma árvore se encontravam, havia algo parecido com uma bola de futebol, não perfeitamente esférico, mas incrivelmente redondo em seu topo. E essa “casinha” era quase lisa, não fossem os grãos de terra e os fiapos de capim que insistiam em ficar para fora. Era espessa e possuía um orifício na frente, virado para onde o sol nascia. Lá cabiam os dois passarinhos com a cabeça pra fora e era do tamanho suficiente para que entrassem e saíssem sem dificuldade.
No decorrer da “construção”, observei o esforço dos passarinhos em fazerem com que aquela casinha ficasse o mais perfeita possível. Sempre que algo estava um pouco diferente do que parecia ser o padrão deles, eles ajeitavam, ou colocando mais lama/capim, ou desmanchando e construindo novamente. E se o vento ou qualquer outra coisa desmanchava o que já estavam pronto, lá estavam os dois reconstruindo-a, como se nada tivesse ocorrido. Por vezes isso me chamou atenção, essa tamanha persistência.Durante alguns dias, em que não houve chuva, observei que os passarinhos haviam reduzido seu ritmo de construção. E me coloquei a perguntar, por quê? Mas a observação realmente traz muito aprendizado. A casinha era feita com barro. Sem água, como fazer barro? Mas as chuvas voltaram e a construção seguia. Por fim, estava terminada. E não cedia, nem ao vento, nem a chuva, a nada! Incrível a capacidade daqueles passarinhos em criarem algo tão rígido e tão perfeito.
Passou o tempo, descobri que um ninho havia sido feito dentro daquela casinha, pois nasceram quatro novos passarinhos.
Eu me mudei daquele apartamento. Mas tinha amigos pelas redondezas, então sempre voltava ao lugar. Tempos depois, em visita, observei que havia novos filhotes passarinhos. Mas a casinha, ah, ela estava abandonada! Outra havia sido construída, logo ao lado. E os pais não me eram estranhos. Conversando com meus amigos, descobri que provavelmente se tratava daqueles mesmos construtores persistentes de outrora.  Sempre cantarolando durante as manhãs, desde cedo.
Ora, a natureza é deveras curiosa. Persistentes, perfeccionistas e ainda por cima, parecem gostar de algum tipo de mudança, ainda que seja pequena. Talvez estejam aí qualidades a serem aprendidas pelos seres humanos. Talvez.

psicóloga, curiosidade, palavras, coisas

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