Apr 03, 2006 14:24
esta noite acordei sobressaltada. não sei que horas seriam, o relógio estava longe e eu vejo tão mal sem óculos. sonhava que corria, que corria muito depressa como só o faz quem foge, e lembro-me da dor nas pernas. lembro-me que não podia parar. os pés trôpegos, a respiração descontrolada e mesmo assim não podia parar. de repente caí: senti as pequenas pedras a entrar-me na carne e com elas um alívio. acordei sobressaltada.
sem vontade de dormir acabei por me sentar à beirinha da cama, agora já sem medo do monstro azul que vivia debaixo da minha cama de menina. era outro o medo, indescritível e absurdo, e uma vontade de chorar como tantas vezes me acontece ao acordar. respiro fundo, consolo-me com palavras que não são minhas, com as palavras que alguém amigo me diria. por baixo da porta que dá para o quintal descubro a madrugada que me fere os olhos. quero vê-la, quero ouvi-la, não vou dormir mais.
ainda penso num cigarro, mas não. sento-me e a cadeira range, cheira a frio e a terra e os jasmins já abriram, reparo pela primeira vez. não quero pensar em nada. que prazer ter um mundo para viver e não o fazer. a madrugada rompe, alcança-me agora sem pudor. com ela chega o chilrear estridente dos pardais, de seguida a melodia entusiasmada dos melros e há ainda um outro canto que não sei de quem é. ao contrário das máquinas e das pessoas, os bichos conseguem fazer barulho sem contudo quebrar o silêncio.
passou-me o desassossego. apetece-me acordar toda a gente: reparem como tudo é tão bonito. depois devo ter adormecido. sem sonhos, que me lembre, sem agitação. só existência adormecida.